A empresa de BH pede aos clientes que respondam perguntas sobre restrição racial e religiosa do empregado doméstico que querem contratar
O Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais (MPT-MG) apura a denúncia contra uma agência de serviços domésticos de Belo Horizonte acusada de aplicar uma questionário com teor discriminatório aos clientes que queiram contratar um empregado.
A lista com três páginas de perguntas, na qual o Metrópoles teve acesso, mostra que o empregador deve responder a uma série de perguntas sobre dados pessoais, bem como perfil do profissional que queira contratar e quais requisitos são necessários que ele cumpra no serviço.
A empresa, identificada como Agência Lar Feliz de Empregados Domésticos, questiona ao contratante quais seriam as características e aptidões que ele deseja que o profissional tenha. No entanto, algumas das perguntas chamam a atenção pelo conteúdo discriminatório e que infringe, em alguns pontos, as leis trabalhistas.
Em funcionamento desde 1997, a empresa atua no mercado de recrutamento e seleção de empregados domésticos, e destaca no seu site que o principal objetivo é a “satisfação plena” dos clientes.
Na primeira página, o questionário pede que a pessoa que o está respondendo especifique a idade “aceitável para mão de obra”, o que pode ser configurado como etarismo.
Em outro ponto, o documento apresenta uma pergunta com viés racista e de intolerância religiosa: “Existe algum tipo de restrição racial, religiosa ou filosófica para o perfil da empregada que estará sendo contratada?”, questiona.
Um morador da capital mineira, que preferiu não se identificar, detalhou que conheceu a empresa por meio de indicação, pois queria contratar uma empregada doméstica para trabalhar na casa dele. No entanto, ele desistiu de contratar os serviços da agência após ter acesso ao questionário.
“Fiquei horrorizado. São perguntas racistas e que claramente vão contra a legislação trabalhista. Ao meu ver, é um tratamento de pessoa escravizada. O que me choca é que várias pessoas veem essa lista de perguntas e acham normal, mas é inadequada. São práticas contra a lei do trabalho”, alega o morador.
Outro ponto que chama a atenção, segundo ele, é a discriminação quanto as refeições do empregado no local de trabalho.
“Eles perguntam se, caso o funcionário se alimente na residência, ele tem que comer uma comida diferente dos moradores ou se existe alguma restrição quando a alimentação deles, alguma limitação quanto ao que podem comer e beber”, diz o homem.
Além das questões de caráter discriminatório, a lista também elenca perguntas sobre a possibilidade de cumprir carga horário aos fins de semana, dormir no local de trabalho, além do regime de folga a cada 15 dias e pagamento de horas extras.
Para o advogado e vice-presidente da Associação Mineira da Advocacia Trabalhista, Júlio Cesar de Paula Guimarães, o questionários apresenta várias previsões legais que são consideradas discriminatórias.
“O Artigo 7 inciso 30 da Constituição proíbe a discriminação de forma abrangente quanto a critério de admissão por idade, sexo, idade ou raça. Isso é algo que jamais deveria ocorrer em um ambiente de trabalho, pois fere a liberdade religiosa e questões raciais. Em termos de critérios de admissão, podemos ter perguntas que não discriminem e não sejam de natureza particular do trabalhador”, explica o advogado.
Segundo o especialista, a depender das respostas do cliente ao questionário, pode sugerir indicativos de um regime de trabalho análogo à escravidão.
“Em termos jurídicos, o regime de folga a cada 15 dias não existe; a folga é semanal. Jornada de trabalho estendida além do limite legal não deve ser permitida. As pessoas devem ter preferencialmente folga aos domingos e não podem trabalhar mais de 6 dias seguidos. Os limites máximos de horas de trabalho por dia e por semana devem ser respeitados – 8h por dia e 44h semanais – , assim como as horas extras devem ser reguladas de acordo com a legislação trabalhista”, alerta.
Por fim, Júlio Cesar salienta que os empregadores devem se atentar aos direitos dos empregados domésticos de modo a não contribuir para a precarização do setor.
“É importante profissionalizar o setor e eliminar qualquer forma de discriminação, pois isso contribui para a precarização do trabalho e perpetua a discriminação. O limite de horas de trabalho diárias está estabelecido por lei e deve ser respeitado, evitando assim qualquer forma de exploração”, reforça.
O que diz a Agência Lar Feliz
Procurada pela reportagem a respeito do questionário com teor discriminatório, a Agência Lar Feliz informou que, até o momento, não recebeu qualquer notificação do Ministério Público do Trabalho sobre esse assunto. “No entanto, já encaminhamos a questão ao jurídico para obtermos orientação sobre o tema”, reforçou.
“Gostaríamos de esclarecer que a Agência Lar Feliz repudia firmemente qualquer forma de preconceito. Estamos na linha de frente, dedicados a uma luta incansável por melhorias nas condições de trabalho dos profissionais domésticos – essa é a nossa missão desde a fundação da empresa. Ativamente, trabalhamos para apoiar nossos candidatos, oferecendo suporte gratuito na busca por empregos que garantam salários justos”, finalizou a empresa.
Fonte: Metropoles