Votação é articulada por Lira, Mendonça Filho e aliados; conteúdo da proposta é considerado prejudicial aos estudantes
Lideranças da sociedade civil organizada do campo progressista têm criticado duramente a velocidade da tramitação da proposta que altera o Novo Ensino Médio (NEM), que teve a urgência aprovada na última terça (12) no plenário da Câmara dos Deputados. O texto deverá ter o mérito apreciado nesta semana. A celeridade na avaliação do texto tem sido articulada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e pelo relator da medida, Mendonça Filho (União-PE), em associação com outros aliados.
A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), por exemplo, questiona a velocidade da votação no apagar das luzes de 2023, quando as escolas estão fechadas e com os estudantes em férias. A entidade aponta que o contexto não favorece a disseminação dos debates sobre o texto em análise na Câmara e, consequentemente, afeta o nível engajamento da classe estudantil. “Nós achamos que o ideal seria ele ser votado posteriormente à Conferência Nacional de Educação, porque [os parlamentares] iriam ouvir novamente a sociedade civil”, afirma a presidenta da entidade, Jade Beatriz. O evento ocorre no final de janeiro.
O debate sobre a rapidez da tramitação começou com o próprio Ministério da Educação (MEC), autor do Projeto de Lei (PL) 5230/2023, que enviou a proposta ao Congresso Nacional no final de outubro com tarja de urgência constitucional. Trata-se de uma prerrogativa do Poder Executivo que faz com que o texto precise ser avaliado por cada casa legislativa em até 45 dias. Não sendo apreciado dentro desse intervalo de tempo, o PL tranca a pauta, impedindo a análise de outras propostas para que tenha prioridade na votação.
O atropelo desagradou Lira e o centrão e também gerou problemas para o próprio governo Lula, que viu o PL atrapalhar os planos da gestão neste final de ano no Congresso. Diante da falta de acordo sobre o texto e de um acúmulo de pautas econômicas – consideradas prioritárias para a administração petista – a serem votadas até o dia 22, quando o Legislativo oficialmente entra em recesso, o MEC acabou retirando a urgência constitucional na última segunda (11) para liberar a pauta de votações. Foi também uma forma de tentar esfriar os ânimos dos grupos críticos à proposta.
O fantasma da urgência, no entanto, voltou à cena logo no dia seguinte, quando Lira decidiu colocar o texto sob análise. A iniciativa foi interpretada no mundo político como uma espécie de vingança. Além de o texto do governo gerar controvérsias com diferentes grupos partidários, deputados se queixaram de falta de diálogo do MEC com as lideranças da Casa para fazer as costuras necessárias ao projeto logo após a chegada do texto à Câmara.
“Não justifica essa urgência, haja vista que qualquer alteração [no NEM] seria para iniciar em 2025 ou 2026. Ter pedido o regime de urgência é um equívoco enorme porque o PL já entrou no Congresso com a marca da ausência de debate que a matéria exige. Em primeiro lugar, errou o governo ao encaminhar [o texto] com pedido de urgência, interditando uma discussão aprofundada, que envolveria ouvir estudantes, profissionais de educação, entidades científicas, a sociedade em geral”, avalia a professora Mônica Ribeiro, coordenadora do Observatório do Ensino Médio, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Também coordenadora da “Rede Em Pesquisa”, que reúne 24 grupos de estudiosos em educação pelo país, a professora vê ainda outros erros no jogo político em torno da matéria. “Quando o governo Lula retirou a urgência constitucional, por exemplo, ele fez isso tardiamente. A relatoria já havia sido designada para o Mendonça Filho havia bastante tempo. A gente sentiu aí uma ausência de articulação do MEC junto ao Congresso para dar um trato mais adequado a matéria.”
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As polêmicas sobre o PL não se encerram no debate sobre o rito de tramitação: há também dissidências relacionadas ao conteúdo. Em geral, o campo progressista discorda da versão apresentada por Mendonça Filho. A principal divergência diz respeito à carga horaria de aulas. Com a reforma, que entrou em vigor em 2022, a lei passou a prever uma base curricular comum de aulas de 1,8 mil horas, considerando português, matemática e inglês como disciplinas obrigatórias na grade. A norma também fixa que deve haver 1,2 mil de matérias opcionais, aquelas que compõem os itinerários formativos das escolas.
O PL do MEC propõe que espanhol, educação física, artes, química, biologia, história, geografia, sociologia e filosofia sejam também matéria obrigatórias e que, para isso, a base curricular comum aumente para uma carga de 2,4 mil horas de aula. O projeto reduz ainda para 600 o total de horas das disciplinas opcionais. No relatório apresentado à Câmara, Mendonça reduziu a carga das obrigatórias para 2,1 mil e ampliou para 900 as que ficam a critério dos alunos.
Ex-ministro da Educação do governo Temer e um dos arquitetos políticos da reforma do ensino médio, aprovada pelo Legislativo em 2017, o deputado propõe um modelo mais próximo da reforma original de seis anos atrás. Por conta disso, também não tem atendido a alguns pontos defendidos pelo campo progressista e que se tornaram motivo de pressão sobre os parlamentares para que o relatório seja alterado no plenário.
“Nós estamos rodando todos os gabinetes, conversando com os deputados e pedindo que eles coloquem as 2,4 mil horas, e o espanhol como matéria obrigatória, que o Mendonça também tirou”, exemplifica a presidenta da Ubes. “O problema é que o retorno que a gente tem é que o relator está irredutível e, de fato, ele está. Nós tivemos uma reunião com ele e ele falou ‘não’ para absolutamente tudo que a gente pediu”, queixa-se a dirigente.
Por conta disso, entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a Ubes se articulam para ampliar a pressão sobre os deputados nesta terça-feira (19), em um protesto conjunto marcado para ocorrer na porta da Câmara. “Nós não vamos desistir. Estamos mobilizados para fazer essa ação”, diz Jade Beatriz.
Manutenção das desigualdades
Para o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e também integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a pressão tem grande relevância no atual contexto porque o projeto compromete balizas consideradas importantes para a garantia de uma educação de qualidade. É o caso, por exemplo, da escolha por um modelo que não penalize as escolas públicas.
Ele lembra que, no atual contexto, nem sempre essas unidades conseguem ofertar aos alunos todos os itinerários formativos previstos na reforma do Ensino Médio. O educador teme os efeitos negativos que uma eventual aprovação final do PL pode trazer para os secundaristas. “O que está em jogo para os adolescentes neste momento, concretamente, é viver sob a desigualdade ou não. Se de fato o Congresso reiterar essa reforma do ensino médio, o Brasil vai cristalizar as desigualdades educacionais.”
Resposta
O Brasil de Fato tentou ouvir o deputado Mendonça Filho por telefone, mas as ligações não foram atendidas. O mesmo procedimento foi feito em relação ao MEC. Por meio de sua assessoria de imprensa, o ministério disse que “o PL encaminhado ao Congresso não é do MEC, e sim uma construção conjunta a partir de consulta pública, que ouviu mais de 150 mil estudantes e professores, e com participação de entidades” da sociedade civil.
A pasta afirma ter ouvido entidades como a Ubes, o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), entre outras organizações. O ministério não quis comentar a questão da urgência constitucional colocada inicialmente no PL.
Fonte: Brasil de Fato