A gripe castiga o que a conta não paga e o que não dá liga ao instante se deixa levar pela cola da vida. Instrumentalizamos a natureza de nossos sentimentos em tempo de justificar a noite na espreita do dia.
Chegamos à nossa encruzilhada existencial sem saber como – afinal, somos ou estamos?
Há muito, todavia, queria tratar aqui do tema de todos os temas – a finitude das relações e minha posição no jogo da vida. O que tem me ‘atrasado’ na empreita é a imbecilização de nossos dias… Tenho uma querença antiga com Deus sobre a morte. Isso sempre me incomodou e jamais me bastou a promessa de vida eterna – cuja condição é crer no Cara.
Não que eu não creia, apenas a dureza da vida pós-moderna, onde o homem acordou para seu tempo de ter, colidindo com a essência do pensamento Dele (Jesus), centrado no amai-vos uns aos outros, embrutece meus sentidos ao tempo em que questiona dúvidas preexistentes – hoje, para mim, duvidar é crer!
Todavia o homem do século XXI segue propagando a mentira e deixou de fazer amor, negando a equação do viver. Assim, para cada Padre Lancellotti há um punhado de pastor neopentecostal à espreita, aguardando a escuridão da noite vencer o dia para abastecer em dízimos de sangue as colunas suntuosas de seu templo.
Nesses espaços de vivência o caminho condutor da servidão nasce da cega obediência, cuja fé é ‘faca amolada’ a cortar a sabença que o vento cola no conhecimento. O homem pós-moderno abandonou o conhecimento humanístico por nichos de saber, cujo ‘vero escopo’ não é senão especializar tecnologia e represar o sentido da vida.
Bem por isso discutir pauta antirracista em pleno século XXI, por aqui, é um avanço extraordinário – afinal cinco séculos de exploração da raça negra não podem ser relativizados em senso comum raso, naquilo que antirracistas não convivem com fascistas. Não há como coexistir o que se repele.
Assim, quando creio já ter afastado de mim o cálice do vinho avinagrado da ignorância, eis que a vida torna a testar minha fé em um programa de televisão, ouvindo o arauto da modernidade tecno-neopentecostal (pastor de ignorantes) falar no Roda Viva da TV Cultura que, ‘entre Lula e o messias não tem qualquer dúvida em apoiar e defender este último’.
A fala de deltan não me surpreende – afinal a pauta anti-minórica da extrema direta é histórica e deflui de método que se lhes iguala, na medida em que o elóquio fascista fixa a mentira, estabelecendo a narrativa em lugar do fato histórico.
Sobreleva-se, todavia, severo desconforto existencial para hipóteses de bem viver, em tempo de testar limites e impor sofrência a meu ‘joie de vivre’, represando o obvio e estabelecendo surpresas desagradáveis além da conta que chegou.
Não busquei, jamais, fazer inimigos e essa equação emoldura a minha formação profissional e cidadã, ao tempo em que afaga uma resiliência estoica na senda do convívio. Isso explica o fato de eu ter sobrevivido a meus antagonistas.
Todavia, ouvir dallagnol falar o que disse no Roda Viva ofende minha compreensão da história (e da vida), plantando uma má querença que jamais ousaria regar. Rezo para que ela vá embora tão logo ele, o pastor, seja apenas poeira de sua má versão.
Noves fora minhas circunstâncias e valências, me pergunto de onde vem a ignorância com que deltan procura convencer? Das inúmeras hipóteses de medo e de arranjos que ele construiu enquanto promotor? Dos colegas de toga que ele cooptou ao longo de sua jornada em busca de sucesso financeiro? Será que ele acredita na mentira que sustenta?
Sua comparação esquálida entre Lula e o messias relativiza/desconhece a realidade latina de exploração econômica, mitigando a malevolência neoliberal em ‘indícios de falta de fé’ (conforme Paulo Romeiro, em seu livro super crentes).
Assim, ao buscar convencimento de sua crença em amarras neoliberais o deputado cassado me ofende além da conta. Muito além do que poderia esperar de um adversário. A toda evidência ele não poderia mentir a ponto de lastrear a defesa da liberdade em favor do messias, em contraponto ao movimento institucional brasileiro (com o total apoio de Lula) de combate a proliferação de fake news.
O diabo é pai da mentira e deltan, para atacar Lula, abraça a mentira!
Há na instrumentalização mentirosa que ele tange, um desatino histórico que confronta a fé do explorado. Deveras, a fé jamais poderia ser testilhada na justificação da condição explorativa dos povos. Bem assim a história não está à disposição das narrativas de aluguel dos vermes da última ceia cristã.
Definitivamente entendam que Judas não entregou Cristo ‘apenas’ por dinheiro; ele o fez também por medo (quiçá), o que fica evidente na quantia (30 moedas de prata), exatamente o valor de um escravo (Ez, 21.32).
Judas se fez traidor por ser escravo. Quer de sua condição econômica, quer de sua ignorância, de seu medo, de seus desejos e, acima de tudo, de suas mentiras que represavam sua escravidão! Quando a equação medo e ignorância entra no jogo, a resultante não vai além da saída fácil (receba dinheiro para perder a alma), para gaudio dos demônios a cochichar em nosso ouvido. Bem por isso a tese central de deltan emascula o fato histórico quando opta pelo messias em contraponto à Lula com finca em uma aldrabice – a liberdade de expressão justifica a tutela da mentira…
Não há liberdade, de qualquer natureza, na mentira.
Não há luz onde há treva.
Demais disso, enquanto neopentecostal, deltan abraça o entendimento de que há quem ‘padeça da graça divina’ por não ter fé em profusão. Deveras, essa excrescência vem servindo de justificativa para a mantença da miséria e exploração (quanto dízimo é colhido todo dia em nome da falta de fé) nessa terra de meu Deus, suposto que os que lutam por sobrevida em meio à sagração de sua exploração econômica, são apontados responsáveis pela própria miséria, em face de uma suposta falta de fervor da fé.
Há muita mesquinharia e terrível anomalia na condição ‘ideológica’ testilhada no ‘pensamento’ do sucesso econômico neopentecostal, naquilo que o explorado economicamente deve acreditar que sua condição deflui de sua pouca fé e não do modelo explorativo que lhe escraviza.
Seria como dizer que o moribundo faltou com fé para ser e estar quem é; ou que o escravo fora, antes de coisificado em favor da exploração de sua força de trabalho, amaldiçoado pela melanina que lhe coloriu a pele.
Há uma fotografia em branco e preto que me ascende a alma e ilumina a visão de um mundo em que pastores neopentecostais ligam a exploração econômica de seus filhos a uma falta qualquer destes com o Criador. O deputado caçado fez exatamente isso quando mentiu sobre a disputa pela preservação do fato histórico em favor da tutela da mentira.
O nojo vomita as condições de escolha, ao tempo em que represa a própria fé, criando um exército de ignorantes a marchar para a morte pelo bem (proveito econômico) de suas vidas.
Não há como tutelar a fala política de deltan no Roda Viva, seja porque ele falou enquanto escravo de sua narrativa; seja porque ele tem medo das consequencias de seus atos; seja porque ele ignora o devido processo e a liberdade de escolha de um povo; seja porque ele comunga o conceito neopentecostal de que a exploração econômica dos oprimidos não incide na manutenção de sua miserabilidade financeira…
Outro tanto, ao sustentar que pobreza e doenças derivam de maldições e fracassos daqueles que não tenham ‘plena fé’, o neopentecostalismo afaga o medo de judas e justifica seu preço – afinal escravos sempre existirão, bastando um modelo explorativo que lhes justifique o açoite e uma narrativa qualquer.Tenhamos consciência de que, para o deputado cassado, se sua própria fala é mentirosa ou não, isso é apenas um detalhe ligado a ‘liberdade de expressão’ que ele, deltan, jamais aplaudiu – como bem se vê da mentira dantesca que ele mesmo plantou (a lei é para todos) e da qual procura fugir na undécima hora.
Noves fora, foi muito bem caçado o pastor da lava jato. Falta o juiz que era ator político enquanto juiz e, hoje, está senador da república. Eu sigo acreditando que aquelas trinta moedas produziram poucos escravos; por isso creio que ele será o próximo…
João dos Santos Gomes Filho
Para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.