Educadores são presos em protesto e sindicato denuncia postura intransigente do governo
Por Mayala Fernandes – Brasil de Fato/Paraná
O governo do Paraná tem adotado uma postura intransigente contra os educadores da rede estadual. Nas últimas semanas, diversos episódios ilustraram essa tensão, culminando na prisão de uma professora e um técnico-administrativo em educação durante uma manifestação.
Em 27 de maio, a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) iniciou a tramitação do Programa Parceiros da Escola, permitindo que empresas privadas assumam a gestão administrativa das escolas públicas estaduais. Dois dias antes, os educadores haviam aprovado uma greve contra o projeto, prevista para começar em 3 de junho. A APP-Sindicato, representante da categoria, afirmou ter buscado diálogo com o governo, sem sucesso.
“A atitude do governador de nos criminalizar não é nova, mas o nível de assédio e ações que estamos enfrentando é surpreendente em um estado democrático”, disse Marlei Fernandes, representante jurídica da APP-Sindicato.
Desde a convocação da greve, a categoria começou a sentir as tentativas de criminalizar o movimento. Professores relatam ameaças dos Núcleos Regionais Estaduais (NREs), incluindo descontos salariais, processos administrativos e demissões. Em resposta, a APP-Sindicato acionou o Ministério Público do Trabalho (MPT-PR) contra o assédio moral praticado pela Secretaria de Educação (Seed).
O governo chegou a entrar com uma ação na Justiça para aumentar a multa diária pela manutenção da greve de R$ 10 mil para R$ 100 mil, além de pedir a prisão da presidente da APP-Sindicato, Walkiria Olegário Mazetto, por desrespeitar uma ordem judicial para encerrar a paralisação.
“Essas ações do governo configuram práticas antissindicais e mostram para toda a sociedade a truculência adotada por essa gestão contra o funcionalismo público”, alertou o sindicato em comunicado.
Manifestação de 3 de junho
A greve teve início em 3 de junho, com cerca de 20 mil pessoas protestando contra o Programa Parceiros da Escola em Curitiba. Pedro Lanna, técnico-administrativo em educação, foi um dos detidos durante a manifestação. Ele relatou que o ato era pacífico e tinha o objetivo de pressionar os deputados a votar contra o projeto.
“Foi um ato unificado da educação e como técnico-administrativo em educação entendemos que há um ataque de uma ideologia neoliberal à educação pública e a gente precisa fazer frente a isso. Eu estava presente com este propósito, reforçando os danos que isso tem causado no ensino superior”, conta.
“O povo estava representado e se, não vale a manifestação de um povo organizado dizendo que não quer a aprovação do projeto, que democracia é essa?”, questiona Ronaine Linianea Hegele, professora de História da cidade de Santa Tereza do Oeste, também presa durante a manifestação.
Com o objetivo de acompanhar a votação ou retirar o projeto da pauta, os manifestantes ocuparam o plenário da Alep. Devido ao grande número de pessoas, houve quebra vidros e portas, além do arrombamento do portão e a depredação de cadeiras.
“O fato do protesto ter adentrado na Alep foi motivado já pelas provações que advinham de dentro do plenário. A ocupação ocorreu de forma espontânea, até porque é muito difícil você ver todos os seus direitos sendo tratorados e sem a possibilidade de diálogo”, afirma a secretária de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato. “Os ânimos se acirraram, e mais uma vez tivemos a truculência do estado contra os manifestantes”.
Pedro Lanna recorda que, no momento em que passou pelos portões da Alep, encontrou a tropa de choque e foi imediatamente detido. A professora Ronaine relata que viu o colega sendo sufocado por um dos policiais e foi ao seu encontro para tentar ajudar.
“O Pedro estava gritando ‘por favor, solte o meu pescoço!’ e o policial estava se excedendo. Eu decidi ficar ao lado dele porque nós não queríamos uma pessoa machucada”, lembra ela.
Neste momento, os dois foram apreendidos e levados para uma Unidade de Pronto Atendimento, visto que ambos estavam machucados. Ronaine sofreu um corte na sobrancelha ao se colidir contra um escudo e Pedro estava com escoriações.
“A prisão de dois companheiros nos causou uma situação muito estarrecedora, para dizer o mínimo. Todos estávamos na manifestação e, durante um momento de confrontação, que ocorreu de forma violenta pelo governo, os dois tentaram sair do meio do tumulto e foram presos em um lugar onde não havia muitas pessoas. Os manifestantes foram para um lado e eles foram para o outro lado, quando encontraram com a polícia de choque que reprimiu com muita violência esses educadores”, diz Marlei.
Pedro Lanna conta que foram levados para a Central de Flagrante, no bairro Portão, onde prestaram depoimentos e foram informados que precisariam passar a noite presos no aguardo da audiência de custódia, que seria realizada no dia seguinte.
“Me pareceu uma tentativa de traçar um paralelo com o 8 de janeiro. Quando estávamos detidos, ouvi os policiais falarem que tinham que deter os terroristas do estado”, conta Lanna.
“Quando me deixaram sozinha na cela, fiquei com muito medo, percebi que não estavam seguindo o padrão para esses casos. Não tinha visto nenhuma policial feminina e fiquei a noite inteira torcendo para alguém aparecer. Eu estava com medo de passar a noite sozinha naquele lugar”, diz Ronaine.
Após passarem a noite detidos, os manifestantes foram levados para a Casa de Custódia de Curitiba, localizada na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), onde ficaram detidos ao lado de outros presos comuns.
“O medo era que a gente sofresse alguma violência naquele espaço, eu ficava o tempo todo pensando como iria ficar viva”, diz Ronaine. “Eu achei que a gente ficaria uma semana naquele lugar, não sabia o que estava acontecendo”, afirma.
O setor jurídico da APP-Sindicato confirma que considera a detenção dos manifestantes como uma prisão política, principalmente pela negação em arbitrar uma fiança e realizar a audiência de custódia no mesmo dia.
“Nós trabalhadores e funcionários do ensino público do estado e do federal, que nos envolvemos politicamente e fisicamente no ato, não podemos sofrer esses ataques que visam nos calar, uma tentativa de barrar nosso protesto, nosso direito de greve e manifestação”, afirma Pedro Lanna.
“Foi um absurdo prender professores que estão defendendo a escola pública, nos compararam com bandidos. A tentativa de nos marginalizar começou desde antes e continua com os assédios dentro da escola. As consequências da manifestação não acabaram e ainda se reverberam”, diz Ronaine.
Processo de criminalização
A Polícia Civil do Paraná comunicou que usará imagens do circuito de segurança da Assembleia para investigar os educadores e estudantes que participaram da ocupação. O presidente da Alep, Ademar Traiano (PSD), classificou o protesto como “ato antidemocrático” e determinou medidas jurídicas contra os manifestantes.
Os educadores presos foram indicados pelos delitos de desobediência, dano qualificado, perturbação do trabalho ou sossego alheio e provocação de tumulto. Segundo os advogados de defesa, o processo tem apenas o depoimento dos policiais, algumas fotografias, vídeos e laudo pericial do local dos fatos. Nenhum desses materiais mostram os detidos e não comprovam que cometeram as infrações.
“Ao meu ver, foi uma prisão totalmente arbitrária e ao acaso, qualquer um poderia ter sido preso. É uma tentativa de deslegitimar e criminalizar uma luta constitucional e totalmente necessária”, afirma Fernanda Delduque, advogada que representa Pedro Lanna.
“Agora estamos aguardando para ver se vai ser oferecido um acordo de não persecução penal pelo Ministério Público ou denúncia. Se oferecido o acordo, Pedro irá decidir se vai aceitar, pois é inocente e a confissão vai contra seus princípios”, afirma a advogada.
Além disso, a Procuradoria-Geral do Estado do Paraná (PGE) pediu ao delegado-geral da Polícia Civil a instauração de um inquérito para investigar os manifestantes e possíveis responsáveis pela invasão à Alep por “tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito” durante as ações classificadas como “atos antidemocráticos”.
“Desde o início, percebemos que o governo tem tentado fazer uma analogia ao que aconteceu no 8 de janeiro, mas de forma alguma se vê comparações com a nossa greve. Foi uma greve legitimamente convocada, que tentou por vários momentos dialogar com o poder público”, diz Marlei.
O setor jurídico da APP-Sindicato afirma que irá defender todas as pessoas que forem injustamente, por parte do governo ou da Alep, investigadas ou tentarem ser criminalizadas.
Fonte: Brasil de Fato