Relatório de análise da Polícia Federal aponta que a atribuição de elaborar planejamento da PMDF era do coronel Paulo José Ferreira
Pela primeira vez, a Polícia Federal apontou um responsável pela falta de planejamento da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) diante dos atos de 8 de janeiro. A falta de atuação de profissionais e de um plano eficaz resultou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, no que tem sido classificado como tentativa de golpe de Estado.
Documento exclusivo, ao qual a coluna Grande Angular teve acesso, aponta que a competência para elaborar o planejamento de contenção dos manifestantes era do coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra. Ele atuava como chefe interino do Departamento de Operações (DOP) da PMDF, em substituição ao coronel Jorge Eduardo Naime, que estava de folga no dia dos atos.
A partir de análise efetuada nos materiais apreendidos na casa e no carro de Paulo José, a PF concluiu que faltou um plano operacional para coibir os ataques de 8 de janeiro aos prédios da Praça dos Três Poderes. “É verossímil acreditar que Paulo José agiu de forma omissa, frente aos crimes praticados no dia do evento, ao não elaborar o planejamento operacional do policiamento ostensivo do Distrito Federal.”
Segundo entendimento da PF, o acionamento das equipes policiais era realizado por meio do grupo de WhatsApp intitulado “DOC/CPR’S”, sem a confecção de ordem de serviço para atuação contra os manifestantes que marchavam para a Esplanada dos Ministérios. “Neste mesmo grupo, o coronel Paulo José fez o acionamento das equipes de sobreaviso para que comparecesse à Esplanada dos Ministérios, 2 horas após o início das manifestações.”
A PF constatou que, conforme relatório da própria PMDF, houve intervalo de aproximadamente duas horas entre o início da manifestação e o acionamento das equipes de reforço para reprimir as ações dos radicais.
Foi por meio de mensagens do WhatsApp que a Polícia Federal comprovou o conhecimento do coronel Paulo José sobre os riscos das manifestações.
“Em algumas dessas mensagens foi informado que os radicais estariam com alta animosidade e falando sobre ‘morte e tomada de poder’. Vale mencionar também que existia Relatório de Inteligência nº 6, de 6 de janeiro de 2023, que dava conhecimento sobre os possíveis riscos das manifestações”, diz a conclusão da PF a partir do material apreendido com o coronel Paulo José.
O relatório foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito que investiga a responsabilidade de autoridades perante a depredação das sedes dos Três Poderes.
Efetivo
A PF concluiu que “não se sabe com precisão o quantitativo do efetivo que realmente foi empregado nas manifestações do dia 8 de janeiro de 2023“.
A imprecisão ocorre porque um relatório da PMDF elaborado em 9 de janeiro afirma ter sido empregado, no dia anterior, previamente, um efetivo de 365 policiais militares. Depois, foram acionados 2.689 PMs, que estariam de sobreaviso.
A informação, porém, diverge de outro relatório da PMDF sobre os atos ocorridos em 8 de janeiro, segundo o qual 555 PMs atuaram na Esplanada dos Ministérios.
Manuscrito
Um manuscrito apreendido na casa do coronel era, possivelmente, um resumo das informações que seriam prestadas por Paulo José em depoimento à PF, de acordo com a corporação. No documento, estava registrado que a inteligência da PMDF não comunicou, em nenhum momento, que a manifestação se tratava de alto grau de risco.
Porém, diferentemente do informado pelo coronel, a PF destacou que o Relatório de Inteligência nº 6 alertou ao gabinete do de Segurança Pública do DF sobre a “possibilidade de invasão e ocupação a órgãos públicos”, participação de pessoas que pertenceriam ao segmento de colecionadores, atiradores e colecionadores (CACs) e possível ações de bloqueios em refinarias e/ou distribuidoras.
O coronel integrava um grupo no WhatsApp chamado PRIORIDADE, no qual foram divulgadas informações sobre “risco das manifestações”, diferentemente do que alegou Paulo José à PF.
“Em uma das mensagens, o participante do grupo Cel Edvan afirma que duas pessoas foram encaminhadas à delegacia por estarem portando pau, estilingue e estoque. Logo em seguida, o integrante ‘Leitão’ pede para repassar a informação sobre a necessidade do uso de exoesqueleto e capacete para os policiais que estariam na Esplanada”, diz trecho do relatório.
Coordenação da segurança
A Polícia Federal teve acesso a diversos diálogos entre Paulo José e o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, então titular do 1º Comando de Policiamento Regional (CPR). O apontamento é que, nos diálogos entre os dois, de 5 a 8 de janeiro, o tema principal foi as manifestações que ocorreriam naquele fim de semana: “Percebe-se que tanto Casimiro quanto Paulo José trabalhavam em conjunto na coordenação e no planejamento da segurança do evento”.
Segundo a PF, três dias antes da depredação, o coronel Paulo José encaminhou uma mensagem a Casimiro na qual dizia que “a orientação pro dia 7 e 8 é fazer uma desordem no Congresso Nacional”. A partir dessa conversa, do dia 5 de janeiro, a PF supôs que “Paulo José recebia frequentemente informações acerca dos riscos das manifestações que ocorreriam nestas datas”.
Casimiro respondeu com o seguinte comentário: “Acho que é muito barulho e pouca ação. Mas é bom ficar ligado”. A corporação apontou que ambos os coronéis, aparentemente, “subestimaram as intenções dos radicais”.
Informante
O coronel Paulo José revelou a Casimiro que tinha um “camarada” informante no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, onde extremistas se reuniram para protestar contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas, em outubro de 2022, para a Presidência do Brasil.
Na véspera dos atos antidemocráticos, o coronel chefe do DOP encaminhou ao colega a mensagem que seria do informante, na qual ele alertou que os manifestantes “vieram preparados para a guerra”, “não vão ceder de forma alguma” e contou que ouviu muitas conversas referindo-se “até mesmo morte”. “As coisas tá (sic) mais séria do que muitos brasileiros estão imaginando.”
Interino
À época dos atos antidemocráticos, o coronel Paulo José era interino porque Jorge Eduardo Naime estava em “dispensa recompensa”. Preso desde 7 de fevereiro, sob suspeita de ter retardado a atuação da PMDF nos ataques às sedes dos Três Poderes, Naime chegou a ir à Esplanada dos Ministérios ao saber da depredação.
Em depoimento à Polícia Federal, Naime ressaltou que estava de folga, autorizada pelo então subcomandante-geral da corporação, coronel Klepter Rosa, atualmente comandante-geral da PMDF.
Nos relatos à PF, Naime afirmou ter feito requisição para gozar de “dispensa recompensa” em 3 de janeiro de 2023, após trabalhar nove fins de semana seguidos. O coronel e ex-comandante do Departamento de Operações assinalou que, após o sucesso da operação na posse do presidente Lula, em 1° de janeiro, combinou informalmente com Klepter que tiraria a dispensa.
“O processo no SEI da dispensa recompensa foi formalizado em 3 de janeiro e formalmente autorizado pelo coronel Klepter Rosa, em 5 de janeiro”, disse o coronel Naime em seu depoimento.
Naime alegou que a folga seria para cuidar da saúde, descansar e fazer exames. O ex-comandante informou não ter participado de qualquer reunião de organização dos atos de 8 de janeiro porque já estava gozando do período de descanso.
No entanto, segundo ele, em 8 de janeiro, estava em um restaurante com sua esposa e seus filhos, em Sobradinho, região localizada a 28 km do Congresso Nacional. Ao ver a situação na Esplanada se complicando, por volta das 15h40, foi para casa, vestiu a farda e se ofereceu para ajudar. Naime chegou à Praça dos Três Poderes por volta das 17h40.
O outro lado
A coluna não conseguiu contato com o coronel Paulo José nem com a defesa dele. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.
Fonte: Metrópoles