Qualidade de vida de lares chefiados por mulheres negras diminui na última década
Na última sexta-feira (23), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) atualizou dados que revelam o Índice de Perda de Qualidade de Vida (IPQV). A taxa varia de 0 a 1. Quanto menor o valor, melhores são as condições de bem-estar.
O IPQV mensura as perdas vividas pela população nos seguintes campos: moradia; acesso aos serviços de utilidade pública; saúde e alimentação; educação; acesso aos serviços financeiros e padrão de vida; transporte e lazer. Os cálculos são realizados a partir das duas edições mais recentes da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), referentes aos intervalos de 2008-2009 e 2017-2018.
De acordo com a pesquisa, em quase uma década, de 2009 a 2018, o IPQV caiu de 0,227 para 0,157. O resultado representa recuo de 30%, indicando, portanto, melhoria no desenvolvimento humano no país. Porém, a ascensão da qualidade de vida dos brasileiros não atingiu todos os grupos indistintamente. Entre lares, chefiados por negros, o valor diminuiu de 0,271 para 0,183, representando baixa de 32%.
Isto quer dizer que, mesmo com a redução, dois terços do índice de perda de qualidade de vida ainda se concentraram neste segmento da população. Segundo o IBGE, famílias chefiadas por pessoas negras contribuíram com 66% do IPQV de 2017-2018. O percentual era de 62% na edição anterior.
Entre as famílias cujas pessoas de referência eram brancas, o IPQV recuou de 0,178 em 2008-2009 para 0,122 em 2017-2018, uma queda de 31,4%. Esse grupo concentrou 32,2% das perdas no período. Observa-se, assim, que a negritude ainda é a camada que apresenta os índices mais baixos de acesso a políticas públicas no Brasil.
Famílias chefiadas por mulheres apresentam maior perda
As desigualdades entre os gêneros também foram constatadas pelo levantamento. Em famílias, cujas lideranças são mulheres, o valor decresceu de 0,232 para 0,168, indicando queda de 27%. No caso de arranjos familiares, que possuem homens como referência, o arrefecimento foi de 33%, caindo de 0,226 para 0,150.
As famílias chefiadas por mulheres, por sua vez, concentraram 43% das perdas na edição mais recente. No levantamento anterior, o percentual era menor, de 28%. De acordo com a Instituto, o aumento pode ser explicado devido ao crescimento de lares cujas responsáveis são mulheres na última década. Porém, também é preciso considerar que as condições de vida de famílias lideradas por mulheres diminuíram no período.
A assistente social, Isadora Pimentel, reforça a importância de que programas redistributivos sejam pensados de maneira interseccional, ou seja, considerando recortes de pertencimento racial e gênero. Ela salienta que o racismo perpetua desigualdades e violências no cotidiano que refletem, por sua vez, não apenas na expectativa de vida, mas nas condições que serão ofertadas para sobrevivência.
“Os dados evidenciam que, embora, no geral a qualidade de vida do brasileiro tenha aumentado nos últimos anos, a população negra não foi impactada da mesma forma. Sabemos que historicamente esta parcela da sociedade tem sido excluída do desenvolvimento econômico e encontrado mais dificuldade para acessar os serviços públicos. No caso de mulheres negras, estas ocupam a base da pirâmide social”, pontua.
Nível de escolaridade também afeta
Os anos de escolarização também impactam na qualidade de vida. Com base na investigação, em famílias cuja pessoa de referência não tinha instrução, o IPQV identificado foi de 0,253, ou seja, maior do que o observado para todo o país (0,157). Entretanto, quando a pessoa apresenta ensino superior completo, o valor atinge 0,074, isto é, muito menor do que a referência nacional.
Consumo
A investigação também mensura o padrão de gasto das famílias com bens e serviços. O Índice de Desempenho Econômico (IDS), publicizado na última sexta-feira, indica as perdas e atividade financeira da população. Considerando o período de 2009 a 2018, o IDS subiu de 5,452 para 6,147. O salto foi de 12,8%, demonstrando que os brasileiros têm pago mais para viabilizar produtos e serviços, com destaque para a área de educação.
De acordo com o IBGE, todas os estados registraram crescimento no desenvolvimento econômico, sendo que os maiores foram observados em Roraima (32%), e Sergipe (25,8%) e os menores no Rio Grande do Sul (9,1%) e no Rio de Janeiro (5,6%).
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.