Decisão foi comunicada pela SEED em dezembro, já durante recesso escolar, dificultando debate e mobilização
Nesta terça-feira (10), educadores da rede pública do Paraná, de universidades, estudantes e movimentos sociais promovem atos em todo estado para denunciar a extinção da disciplina de Arte dos anos finais do ensino fundamental. Na capital, a mobilização ocorre em frente a Secretaria Estadual de Educação (SEED) e traz exposição intitulada “1ª (e última) Exposição de Arte da Rede Estadual de Educação”. A apresentação das peças produzidas por alunos da educação básica busca demonstrar à população paranaense a importância do ensino de Arte.
“É de interesse da sociedade, a mobilização. O ensino de Arte não é recreativo, ela trabalha com todos os elementos cognitivos em educação: do pensamento lógico ao intuitivo, da expressão corporal a coordenação da escrita. Quando você retira a possibilidade de subjetividade, criativa, crítica, de análise contextual, de compreensão cultural e identitária, de construção de narrativas de mundo, você retira praticamente tudo. É isto que o governador do estado [Ratinho Júnior] está fazendo com alunos de 8º e 9º ano”, avalia André Camargo Lopes, professor da disciplina há 18 anos na rede estadual de educação.
Ele conta que, além do protesto em Curitiba, a ideia é que nos 29 Núcleos Regionais de Educação (NRE) ocorra manifestações, contemplando a entrega de cartas de repúdio e abaixo-assinados aos responsáveis. Os documentos foram organizados por diversas organizações a exemplo da Associação Paranaense das Instituições de Ensino Superior Público (Apiesp), que encaminhou à SEED, nota criticando a medida e solicitando a manutenção do componente curricular. As direções do Departamento de Arte Visual e do Centro de Educação, Comunicação e Artes da Universidade Estadual de Londrina (UEL) reforçaram o rechaço.
“A proposta é que se ocupe a frente destes espaços, entregue uma carta para as chefias demonstrando o repúdio como foi feito por diversas associações. Entidades que representam as universidades, artistas todos se manifestaram contrários. Deputados, senadores, que tiveram oportunidade de tomar conhecimento do fato já cobraram explicações da SEED que até agora não abriu diálogo”, afirma.
Porém, segundo Lopes e conforme demonstrado por matéria do Portal Verdade, a reação da categoria já começou no final de dezembro de 2022, quando já em recesso escolar, a gestão de Ratinho Júnior (PSD) anunciou a medida sem debate com a comunidade escolar.
Com o período de férias e salas de aula vazias, a mobilização tem ocorrido, sobretudo, nas redes sociais, como o tuitaço #FicaArtePR. A organização tem ocorrido, principalmente, de maneira autônoma, possuindo como uma das instituições responsáveis a Associação Arte Educadores do Paraná. “O governador do estado não se manifesta, os técnicos da SEED não trazem informação alguma, aliás, a assessoria de imprensa não está nem publicando nota”, diz.
Para o professor, a falta de informação (ou a disseminação confusa) têm dificultado o entendimento dos impactos que a exclusão da disciplina trará para as condições de trabalho dos docentes que a lecionam e, consequentemente, comprometido a convocação para os atos. Entretanto, ele destaca que os obstáculos para mobilização não ocorrem apenas neste momento, mas avalia que é reflexo de uma crescente criminalização da organização sindical e, portanto, das reinvindicações dos trabalhadores sob governos autoritários que optam pelo silenciamento e violência ao invés do debate.
“Isto é falta de uma politização mesmo de longa data, é fruto de uma campanha maciça do governo do estado de criminalização do movimento sindical, destes pensamentos retrógados que surgiram em relação aos trabalhadores e a luta trabalhista. Temos um contexto social que interfere na mobilização e Londrina é uma cidade conservadora. Nós temos mais de 50% da carga horária da disciplina de Arte retirada destes trabalhadores, muitos só entenderão quando forem pegar suas aulas, que não haverá extraordinária, PSS [Processo Seletivo Simplificado] ficarão sem trabalho e isso gerará um caos”.
Educação Tecnocrática
A disciplina de Arte será substituída por um novo componente denominado: “Pensamento Computacional”. A intenção é que a mudança na grade curricular já comece a vigorar a partir de 2023. Na avaliação de Lopes, a mudança representa um “erro técnico”, visto a retirada de uma disciplina obrigatória da matriz curricular para inserir um elemento que é transversal, ou seja, deve perpassar todos os componentes e, assim, não há necessidade de um espaço específico no horário.
“Uma pergunta que estamos fazendo desde o dia 22 e a SEED ainda não se manifestou é ‘a quem interessa isso’? Sabendo que o Pensamento Computacional não se dá na pratica com oficinas ou com processo de conhecimento baseados nas metodologias ativas, tão ditas pela SEED, que na verdade, não aplicam nada. Eles entendem metodologias ativas de ensino você colocar o aluno na frente de uma plataforma, no computador, e fazer ele responder alguns dados ou produzir algum texto. Isto é feito já com estudantes do ensino médio e se questionarmos estes alunos e professores, eles dirão que não é nada atrativo”, alerta.
Além disso, ele ressalta que o elemento “Pensamento Computacional” é subárea da disciplina de Matemática, contudo, a carga horária da matéria de Exatas não sofreu alteração. Diante disso, Lopes pondera que o enfraquecimento das Humanidades, área a qual a disciplina Arte faz parte, ao mesmo tempo em que componentes curriculares sem legitimidade científica são agregados aos currículos representa a escolha de um modelo de educação de perspectiva empresarial, tecnocrática e, portanto, esvaziado do estímulo a um pensamento crítico e emancipatório.
“Qual é o sentido de se retirar a disciplina de Arte? Qual o debate pedagógico por de trás disso? Nenhuma destas perguntas foram respondidas pela SEED. E eles sabem destas perguntas, elas foram feitas nas cartas de reprovação das entidades, no abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas e até agora nada. A única fala dita do atual secretário Roni em uma reunião fechada que vazou também nos grupos é que a política de Estado. Que política é esta? Que tecnologização é esta? Onde está a educação crítica?”, questiona.
Lopes pontua, ainda, a carência na formação continuada do professorado para o ensino do novo componente curricular e na estrutura física das escolas. “Ele [Ratinho Júnior] está mandando mais computadores, mas não há espaço nas escolas. Não adianta ter 500 computadores em um laboratório. A rede de internet é fraca. Como serão mediadas estas plataformas pagas pela população do estado do Paraná?”.
Para o docente, a mesma leitura simplista foi propagada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) que, embora tenha defendido uma educação bancária, conteudista, sem espaço para o confronto de ideias, não deu condições efetivas para que ela fosse implementada, negligenciando as disparidades econômicas que existem entre os estudantes e adentram as salas de aula.
“O governo golpista que acabou de deixar o poder deixou um adendo na BNCC [Base Nacional Comum Curricular] sobre computação. Chega a ser cômico o que propõem do 1º ano do fundamental ao 3º ano do ensino médio. É ignorar a desigualdade social da sociedade brasileira, que vivemos em abismos. O que é necessário neste momento ser um ‘nativo digital’, que eles gostam de propagar e é outro engodo, ou desenvolvermos um senso crítico, humanizador, voltado para a consciência colaborativa, afetiva, o que pode ser ensinado em Arte?”, tensiona.
Rogério Nunes da Silva, professor e secretário de assuntos jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) – Núcleo Londrina, explica que a entidade está avaliando quais medidas jurídicas tomar e procurando estabelecer diálogo com a SEED a fim de que a normativa seja revista. Contudo, até o momento, não há indicativo de que a Pasta aceitará o debate.
“Há uma solicitação de uma reunião para tratar da pauta da categoria com o novo secretário de Educação, Roni Miranda. O indicativo é que esta reunião acontece ainda em janeiro, mas não há data definida. Pretendemos questionar esta medida e solicitar sua reversão. Infelizmente, o governo Ratinho Júnior no que se refere à política educacional, nos últimos quatro anos, tem uma postura de não diálogo com os professores e especialistas da área. Todas as medidas têm este caráter autoritário e antidemocrático”, observa.
Nesta manhã, aproximadamente 20 pessoas, entre professores e estudantes, compareceram em frente ao NRE de Londrina para entregar a nota que demarca o rechaço à iniciativa, porém foram informados de que não havia nenhum representante da direção para receber o documento.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.