“Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser antirracista” – o alerta é da professora, filósofa e integrante dos Panteras Negras, movimento que surgiu nos Estados Unidos em meados dos anos 1960, com a finalidade de lutar pelos direitos da população afro-americana. Mas o lema tem se propagado ao longo das últimas décadas por diversas partes do mundo, visto o aumento de crimes de racismo e violências contra a população negra.
Em entrevista ao Portal Verdade, Cláudio Galdino, pesquisador da repressão institucional que provoca o extermínio, sobretudo, da juventude negra no país, pontua que, em Londrina, uma pessoa negra possui 70% mais probabilidade de ser vítima de violência policial do que uma pessoa branca, embora, a população negra represente em torno de 26% dos habilitantes (relembre entrevista aqui).
“A Frente Antirracista de Londrina surge da necessidade do coletivo Filhos de Dandara incorporar-se a outras frentes negras, indígenas, contando, inclusive, com brancos comprometidos com a causa”, conta Natalia Cordeiro Lisboa, coordenadora do grupo, também integrante dos movimentos Desencarcera Paraná, Marcha Mundial das Mulheres e Enegrecer.
De acordo com a liderança, o coletivo “Filhos de Dandara” surgiu em 2016, dentro da UEL (Universidade Estadual de Londrina) com os objetivos de incentivar a entrada e permanência de estudantes negros nas instituições de ensino superior. Seis anos depois, em setembro de 2022, é criada a Frente Antirracista de Londrina a fim de articular os coletivos negros da cidade, e pautar o combate ao racismo, os genocídios contra negros e indígenas bem como aumentar a presença destes grupos subalternizados em espaços de poder, a exemplo do poder Legislativo local.
“Empoderamento preto, formação política, luta pela segurança alimentar e foco principal para eleger uma bancada negra e indígena na Câmara Municipal de Londrina em 2024”, acrescenta Natália.
Ela pontua que a Frente Antirracista está aberta para todas as pessoas que estejam comprometidas em extinguir o racismo e demais formas de opressão na sociedade londrinense e para além dela. Em sua avaliação, é urgente cobrar dos poderes públicos o estabelecimento de políticas em prol da igualdade racial em todos os setores. “Londrina pode avançar muito, mas precisamos alinhar com toda militância da cidade nossas pautas e começar pressionar mais o Executivo”, observa.
Embora maioria da população (56%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), negras e negros enfrentam mais barreiras para acessar serviços públicos e direitos fundamentais. São os alvos mais frequentes de balas disparadas pela polícia, a maior parte dos trabalhadores na informalidade, as presenças menos frequentes em postos de liderança. Mulheres negras são as que possuem ganhos menores entre toda classe trabalhadora, constituem a maioria também entre vítimas de feminicídio e demais violências de gênero (saiba mais aqui).
Contudo, Natália se diz otimista com alguns avanços como a indicação de Renato Freitas (PT), eleito deputado estadual no último pleito de 2022, para assumir a nova Comissão de Igualdade Racial criada na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP).
21 dias de ativismo
21 de março foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para marcar o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. A data foi instituída em memória ao “Massacre de Sharpeville”, quando policiais do regime do Apartheid, na África do Sul, reagiram de maneira abusiva a uma manifestação contra a Lei do Passe, que estabelecia por onde pessoas negras podiam circular pela cidade. Ao menos, 69 manifestantes morreram e outros 186 ficaram feridos face a violência.
A fim de chamar mais atenção, desde o início do mês, diversos países aderem à campanha “21 Dias de Ativismo Contra o Racismo”. Através dela são realizadas múltiplas ações como debates acerca da necessidade de repudiar práticas, falas racistas no cotidiano e em todos os espaços e ao mesmo tempo valorizar a cultura negra no Brasil.
A Frente Antirracista de Londrina é uma das organizações responsáveis pela programação dos 21 Dias de Ativismo na cidade. “Os eventos servem pra dar visibilidade as nossas pautas e denunciar as mortes pretas que por vezes caem no esquecimento”, afirma Natália.
Ela reforça a urgência de ações de enfrentamento constantes, ou seja, que não fiquem restritas a datas como 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Em Londrina, a campanha realiza algumas atividades em conformidade com a agenda nacional, a exemplo de homenagem à Marielle Franco, Carolina de Jesus e Abdias do Nascimento. Também rememora lideranças negras locais como Oscar do Nascimento e Yá Mukumby.
Próximas atividades
Nos dias 11 e 12 de março, ocorre um café da manhã com familiares de apenados do sistema penitenciário de Londrina. Durante o encontro também haverá panfletagem sobre direitos dos visitantes e canais de denúncias e acolhimento a mulheres vítimas de violência.
No sábado (11), a Frente Antirracista de Londrina participa do Feirão da Resistência, no Canto do Marl. O grupo distribuirá materiais com mais informações sobre a iniciativa, que completa seis meses de existência. Já no dia 16, mães que perderam seus filhos para violência policial serão homenageadas.
Movimentos como o “Justiça por Almas”, formado por familiares e amigos de mortos pelas forças de segurança pública na cidade, têm reivindicado que as execuções cessem e investigações aprofundadas sejam instauradas rompendo com discursos dominantes que, na maioria das vezes, intentam “justificar” a truculência policial com os argumentos de legitima defesa e confrontos.
Natália indica que novas ações estão sendo pensadas em parceria com coletivos de povos indígenas. Para saber mais, acompanhe a página da Frente Antirracista de Londrina, disponível aqui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.