Obra literária apresenta racismo e violência como temas centrais e tem sido alvo de fakenews e tentativas de censura
Matéria: Pedro Carrano/Brasil de Fato – Paraná
Na manhã de hoje (5), a APP-Sindicato denunciou que a chefe do Núcleo Regional de Educação de Curitiba (NRE Curitiba), Laura Patrícia Lopes, determinou, ainda ontem (4), o recolhimento de todos os exemplares da obra “O Avesso da Pele”, do romancista gaúcho Jeferson Tenório.
O livro foi incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) ainda durante a gestão Bolsonaro, mas tem sido alvo de notícias falsas nas redes sociais e tentativa de censura por bolsonaristas, critica o sindicato.
A orientação, ela mesma, no fundo parece um trecho de narrativa de uma situação autoritária:
A ordem é para que todos “os colégios sob a jurisdição do NRE de Curitiba realize (sic) a entrega da obra” entre hoje (5) e sexta-feira (8). “Colocar os livros em envelopes e ou caixas, já com a identificação da escola e a quantidade. Local de entrega: Setor pedagógico – NRE de Curitiba. Rua Salvador Ferrante – 1651, aos cuidados de: Izabel Rodrigues Godoi ou Vanessa de Souza”, orienta o documento.
No texto, a chefia do núcleo da Secretaria de Educação alega “a necessidade e a importância da orientação para a realização de encaminhamentos pedagógicos a partir dos livros que fazem parte do Programa PNLD literário”, mas tem como alvo apenas “O Avesso da Pele”. Sem detalhes, o ofício encerra informando que a obra passará por análise pedagógica e posterior encaminhamentos, o que é reforçado em nota do núcleo.
O sindicato aponta grave ato de censura: “Esse episódio entra para história como um dia triste e reforça a necessidade de denunciar e combater a contaminação da educação pública paranaense por ideologias extremistas, conhecidas pela negação dos direitos humanos e por atentar contra a democracia, a cultura, a diversidade e a pluralidade de ideias.
Obra premiada
De autoria do professor Jeferson Tenório, O Avesso da Pele é um romance que traz o racismo e a violência objetiva e simbólica contra a população negra como temas centrais. Escancara o Brasil, histórico e atual.
Vencedor do prêmio Jabuti de melhor romance de 2021, no texto, Tenório apresenta um narrador que busca acertar as contas com o passado do pai, homem negro assassinado pela polícia, ao mesmo tempo com a história de professor de escola pública, em um país que ainda não enfrentou o racismo, desvelado em todos os seus desdobramentos, das relações íntimas, passando pelo trabalho, à relação com a polícia.
Habilmente, Tenório ainda traça um paralelo com a obra do russo Dostoievski, nas ricas possibilidades narrativas do texto. Com isso, o autor logo se firmou como um dos principais autores contemporâneos brasileiros, ao lado de nomes como José Falero, Adriana Vieira Lomar, entre outros.
Ataques contra a obra
Recentemente, tentativas de censura ao livro ganharam repercussão nacional, após uma diretora de escola do Rio Grande do Sul fazer interpretações equivocadas sobre a obra e publicar na internet um pedido para que os exemplares fossem recolhidos.
Tenório se manifestou afirmando que as fake news são estratégias de desinformação da extrema-direita e não se incomoda com o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras.
“Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, diz o escritor, que agradeceu o apoio recebido da editora e de todos que se manifestaram contra as tentativas de censura.
A análise da obra e inclusão no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) aconteceu na gestão Bolsonaro. O programa compra e distribui obras didáticas e literárias para as escolas públicas de todo o país. Os livros passam por uma rigorosa avaliação de especialistas e cada escola decide quais os títulos deseja receber.
Outro lado
Procurada pelo Brasil de Fato Paraná, a Seed enviou o seguinte posicionamento:
“A Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) está conduzindo uma revisão pedagógica abrangente dos materiais incluídos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) literário, inclusive da obra O Avesso da Pele.
A medida visa apoiar os professores no trabalho pedagógico aliado ao currículo e aos objetivos de aprendizagem em cada uma das etapas de ensino a partir do conteúdo exposto nas obras literárias disponíveis.
Ressalte-se que a temática abordada na referida obra literária – qual seja, o racismo – de fato, faz-se primordial, sendo de suma importância no contexto educacional. A análise do livro, porém, mostrou-se necessária pelo fato de que, em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo explícito utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos (janela etária da maioria dos alunos de ensino médio no Estado). Desta forma, em respeito aos próprios estatutos legais da lei brasileira, de salvaguarda à criança e ao adolescente, no que diz respeito à exposição aos referidos conteúdos, deu-se a medida necessária neste primeiro momento”
Com informações de APP-Sindicato
Fonte: Brasil de Fato