Em meio a greves e paralisações em escolas públicas em todas as regiões de Portugal, milhares de professores e auxiliares de ensino marcharam pelas ruas de Lisboa em protesto no sábado (28). Foi a segunda grande manifestação em menos de um mês, expondo a insatisfação generalizada entre profissionais do ensino.
Há novos protestos convocados para as próximas semanas para a capital e para outras cidades lusas, em um momento em que professores e governo estão em processo de negociações.
A lista de queixas dos docentes é extensa e enumera desde entraves à progressão de carreira até um sistema de distribuição geográfica que pode colocar professores em escolas a mais de 200 km de casa.
As greves começaram em dezembro e, como são organizadas por três grupos sindicais, têm modelos e prazos de duração distintos. Há tanto paralisações de um dia inteiro quanto de apenas alguns turnos de aula. Muitos trabalhadores não docentes das escolas, como funcionários da limpeza e auxiliares, também têm aderido.
Lá fora
A ação mais dura é a do Stop (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação), que convocou greve por tempo indeterminado. Citando a imprevisibilidade dessa paralisação e “as consequências acumuladas para os alunos”, o Ministério da Educação conseguiu que um tribunal aprovasse a obrigatoriedade de serviços mínimos nas escolas, medida descrita por sindicatos como uma restrição ao direito de greve.
Pelo modelo atual em Portugal, um professor atingiria o topo da carreira após 34 anos de serviço, um dos percursos mais longos na União Europeia (UE). Na prática, há diversos entraves que atrasam ainda mais o avanço na hierarquia profissional.
Por questões econômicas, houve dois períodos de “congelamento” do tempo de serviço contabilizado para a progressão profissional. Embora os professores já tenham recuperado parte do tempo perdido, ainda há 6 anos, 6 meses e 23 dias que continuam fora das contas.
Secretário-geral da Fenprof (Federação Nacional dos Professores), Mário Nogueira diz que o governo está “roubando tempo de serviço dos professores”. “Todos trabalharam normalmente, não foi um bônus.”
Além do tempo de serviço não contabilizado, o líder da maior associação sindical de docentes do país destaca o gargalo na progressão profissional. Dentro da função pública, a carreira de professor tem dez categorias —os chamados escalões.
Atualmente, há um entrave à promoção dos professores em alguns deles. Ainda que o docente já tenha lecionado pelos anos exigidos e tenha a avaliação de desempenho adequada, a progressão para a categoria seguinte fica condicionada à disponibilidade de vagas. “Essas vagas são determinadas anualmente, sem negociação, pelo governo.”
Com tudo isso, há muitos professores que têm mais de uma década de atividade docente não considerada para progressão profissional, ainda que tenham trabalhado normalmente nesse tempo.
China, terra do meio
“Isso tem consequências imediatas, as pessoas ganham menos do que deveriam”, diz o líder sindical, que estima que mais de 70% dos atuais professores não conseguirão chegar ao topo da carreira.
Outro ponto criticado pela categoria é o regime de distribuição dos docentes, que em muitos casos permite que professores sejam colocados em escolas muito distantes de casa. Com um cenário de inflação recorde e de disparada de preços no mercado imobiliário, cidades tradicionalmente mais caras, como Lisboa e Cascais, já têm dificuldades para conseguir novos professores.
Os sindicatos citam também a precarização da categoria, com profissionais vinculados a contratos de curta duração e com pouca estabilidade. Além da instabilidade desse modelo laboral, o período fora dos quadros oficiais das escolas também não conta para os anos de progressão profissional. “Vivemos um problema de falta de atratividade e de desvalorização da nossa profissão”, diz Nogueira.
O pouco interesse dos jovens pela carreira, combinado à composição etária avançada do atual corpo docente, em que mais da metade dos profissionais têm mais de 50 anos, antevê uma série de dificuldades para as escolas públicas portuguesas num futuro não muito distante.
Diante da sucessão de paralisações e da repercussão das ações, o governo dá sinais de que está disposto a ceder mais às reivindicações, ampliando contratos permanentes e reduzindo constrangimentos para a progressão de carreira. No entanto, o ministro da Educação, João Costa, mostrou-se bem menos flexível diante de um cenário de descongelamento total da contagem do tempo de serviço.
“Não vamos dar um passo que sabemos que não vai ter sustentabilidade [financeira]. Não podemos dar um passo maior do que a perna, e o que queremos garantir é que as carreiras nunca mais voltem a ser congeladas.”
As respostas do Executivo, por enquanto, não convenceram os sindicatos. A Fenprof, por exemplo, tem uma grande manifestação marcada para 11 de fevereiro, no centro de Lisboa.
Fonte: Redação Folha de S. Paulo