Objetivo das ações é realizar um momento de acolhimento e romper com exclusão de pessoas privadas de liberdade
Nesta quarta-feira (21), um grupo de colaboradores formado por representantes de diversos segmentos da sociedade londrinense, como membros do Poder Judiciário e de organizações religiosas, promove uma tarde natalina na Cadeia Pública Feminina de Londrina. Localizada no Jardim Bandeirantes, a Unidade foi reformada em 2020, e teve sua capacidade aumentada mais de quatro vezes, passando da oferta de 36 para 176 vagas. Ainda assim, a superlotação e as condições de vida no cárcere permanecem preocupando, visto que atualmente, o espaço abriga 170 mulheres, ou seja, quase todos os lugares estão preenchidos.
“Somos um grupo de colaboradores, pessoas que fazem parte do Judiciário e pessoas também da sociedade civil, e iremos realizar um momento natalino na Cadeia Pública feminina de Londrina. Nós queremos proporcionar um momento de esperança, convivência, fé, sonhos e, principalmente, de proximidade entre a sociedade civil, igreja e essas pessoas que estão privadas de liberdade”, conta Padre Cristiano, membro da Arquidiocese de Londrina, Pároco na Comunidade Nossa Senhora de Fátima, situada no Jardim Sabará.
A liderança que também é docente na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e um dos organizadores do evento, explica que este momento é resultado de um encontro que aconteceu em outubro deste ano. Na ocasião, detentas da Cadeia Pública Feminina de Londrina foram convidadas para apresentarem seu livro “Encarceradas – Quando a estrela de Natal não brilha” no Clube da Leitura, projeto desenvolvido pelo Centro de Socioeducação de Londrina, o Cense II, responsável por abrigar, em média, 30 jovens de 12 a 21 anos que estão cumprindo medida socioeducativa.
“As mulheres da Cadeia Pública Feminina escreveram um livro sobre a realidade delas no cárcere e foram convidadas para participar de um projeto da Socioeducação do Paraná. O Cense II de Londrina tem um projeto de leitura chamado “Clube de Leitura” que agrega todas as unidades socioeducativas do Paraná e todo mês este projeto convida um escritor para apresentar o seu livro e conversar com os adolescentes. Este projeto já convidou autores como Sérgio Vaz, Itamar Vieira Júnior, Edir Roque, Luciene Müller, uma menina em situação de rua que pousava numa biblioteca em São Paulo, Bruno Paes e Camila Nunes que escreveram sobre o PCC [Primeiro Comando da Capital], também membros de Londrina como o bispo Dom Geremias Steinmetz para dialogar com os jovens”, pontua.
Para Padre Cristiano, a obra é uma “provocação”, um chamado para que a população olhe para estas pessoas cerceadas de liberdade, tirando-as da invisibilidade e esquecimento. Segundo ele, este momento de partilha, principalmente, com setores mais vulnerabilizados e excluídos, é uma das principais finalidades do Natal. “Este livro traz relatos de mulheres, mostrando o sofrimento de 170 vidas que não tem ninguém por elas. Ficou muito visível que vem ao encontro daquilo que, de fato, realmente é o Natal: olhar para o outro, para aqueles e aquelas que sofrem. Nós queremos fazer esta estrela de Natal brilhar para estas mulheres através desta tarde, de um momento de sociabilidade e confraternização”, afirma.
A programação inclui apresentações artísticas-culturais e um café da tarde coletivo garantido através de doações. A expectativa é que mais pessoas possam apoiar a iniciativa para que ela ocorra também nos próximos anos. “Vamos fazer um baile com sanfoneiro, gaiteiro. Teremos um café compartilhado, bolos doados pelas mulheres da minha Paróquia. Doces, refrigerantes que compramos com dinheiro de doações. Será o primeiro encontro natalino para estas mulheres privadas de liberdade. O primeiro de outros porque esperamos mobilizar a sociedade, as organizações religiosas e populares para fazerem também momentos de sociabilidade como este que estamos propondo”, avalia.
Ouça um trecho do exemplar “Encarceradas – Quando a estrela de Natal não brilha”, narrado por Padre Cristiano:
Café da tarde natalino com adolescentes
Já nesta terça-feira (20), o coletivo realiza uma reunião com os jovens internados no Cense II. Além do café da tarde, acontece uma batalha de rimas com a presença de MCs. “Esta batalha de rima está sendo organizada pelo irmão Esmael que trabalha com a juventude. Eu colaboro com o Cense II, tenho um projeto chamado “Esperançar” que é sobre espiritualidade de maneira ampla, para além da religião. O motivo deste projeto é trabalhar a motivação do adolescente. Ajudar a despertar sonhos e ao mesmo tempo debater regras de convivência, porque é um espaço cheio de conflito. Então, discutimos temas como ética, racismo, gênero, empatia. Uma espiritualidade que humaniza o indivíduo, de maneira transversal. Nós o iniciamos em 2021 e estamos dando continuidade”, indica Padre Cristiano.
Para o pároco, ambas as ações têm um propósito comum que é cooperar para reintegração de pessoas privadas de liberdade na sociedade, garantindo que tenham acesso a direitos como todos, rompendo com visões estereotipadas sobre a criminalidade, já que muitas vezes, esta é a única possibilidade de sobrevivência sob uma estrutura social marcada pela extrema desigualdade de renda e oportunidades.
“Tudo isso é para mostrar que devemos ter empatia, nos comprometer com estas pessoas que estão privadas de liberdade, que são esquecidas. O próprio Papa Francisco lançou o apelo para melhoria das condições de vida nas prisões do mundo inteiro para que a dignidade dos presos e presas seja plenamente respeitada. A importância de refletir sobre uma justiça penal que não seja apenas punitiva, mas aberta a esperança e reintegração do infrator na sociedade”, assinala.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.