A Justiça do Trabalho determinou, em caráter liminar, o pagamento de uma pensão mensal no valor de um salário mínimo (R$ 1.302) para a idosa que passou 72 anos em situação análoga à escravidão no Rio de Janeiro. A mulher negra, de 86 anos, que teve a identidade preservada, foi resgatada após uma denúncia anônima, em março de 2022.
A reportagem não localizou os acusados e o MPT-RJ (Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro) também não informou o nome do advogado que representa a família. Mas, segundo o auditor fiscal do trabalho Alexandre Lyra, a família justificou que os serviços domésticos não eram trabalho, mas uma colaboração voluntária no âmbito familiar.
Esse é o caso mais longo de exploração registrado no Brasil, desde o início do registro histórico em 1995, segundo o órgão. Nos últimos 27 anos, foram feitos mais de 58 mil resgates.
Segundo o MPT, a idosa trabalhou para a mesma família, por três gerações, sem receber qualquer salário ou direitos trabalhistas –férias, 13º, FGTS, PIS.
A investigação apurou ainda que o empregador detinha os documentos pessoais da trabalhadora e sacava sua aposentadoria.
Além da pensão, a Justiça também determinou a apreensão judicial dos imóveis e veículos do empregador e a imediata devolução dos documentos e da quantia que ele confessou que era da trabalhadora.
O MPT-RJ informou que, por se tratar de decisão provisória, eventual recurso cabe somente quando houver a sentença definitiva. “Por enquanto a decisão é liminar, isto é, pode ser revertida a qualquer momento”, disse em nota.
Após o resgate, em 15 de março de 2022, a idosa ficou aos cuidados da Prefeitura do Rio. Mas, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, já deixou o abrigo para o qual foi levada.
Ela não se casou, não teve filhos e tinha perdido o contato com parentes. A reportagem apurou, no entanto, que a idosa conseguiu reencontrar os familiares após a repercussão do caso.
Relembre o caso
A idosa, que nasceu em Vassouras (RJ), em 12 de outubro de 1936, foi resgatada após denúncia realizada por um vizinho da casa onde ela trabalhava.
A ação foi realizada pela Auditoria Fiscal do Trabalho no Rio, com a participação do Ministério Público do Trabalho e do programa Ação Integrada, que garante atendimento psicossocial.
A fiscalização informou que os pais da idosa trabalhavam em uma fazenda no interior do estado, que pertencia a Geraldo e Yvone Mattos Maia. Ela se mudou para a residência do casal, aos 12 anos de idade, onde ficou até eles morrerem. Depois, foi para a casa da filha deles, e passou a cuidar também das crianças.
Na casa onde viveu a maior parte da vida, no bairro do Cachambi, na zona norte da capital fluminense, a mulher dormia em um sofá estreito pouco confortável.
Já no abrigo da prefeitura, ela relatou à Folha um pouco da relação que mantinha com as pessoas que vivia.
“Eles eram muito bons comigo, eu comia pizza, participava das festas. Fui até madrinha de um casamento na Candelária. Eles viajam muito para fora, traziam presentes”, contou à época, referindo-se à “família”.
A Assistência Social do município informou que, além de consultas médicas regulares e de atendimento psicológico, a rotina no abrigo temporário incluía atividades ocupacionais em oficinas de desenho, caminhadas e horário de lazer.
Fonte: Redação Folha de S. Paulo