Um indígena guarani xamoi, como é chamado as lideranças espirituais das aldeias, de 51 anos, foi sequestrado e torturado com uma arma de fogo no sábado, 14 de janeiro, segundo denuncia o cacique Ilson Soares, da tekoha Y’hovy, de Guaíra, no Oeste do Paraná.
Os agressores, identificados como dois homens brancos, deixaram hematomas nas costas, braços e boca do xamoi. Por medo de represália, o xamoi pediu para não ser identificado e também não registrou o caso na Delegacia, por suspeita de que policiais estejam envolvidos. Há cinco meses, xamoi de aldeia vizinha passou por caso semelhante e também não registrou ocorrência. Escalada de crimes preocupa comunidades, que se veem vulneráveis diante da não demarcação de terra.
Os conflitos na região perduram há anos e giram em torno do território não demarcado. Em todo o Oeste do Paraná vivem cerca de 5 mil indígenas guaranis, em 24 tekohás, aldeias, diferentes. Dessas, no entanto, apenas três, duas no município de Diamante D’Oeste e uma em São Miguel do Iguaçu são demarcadas.
A falta de terras deixa essas comunidades reféns da fome, por não ter onde plantar, da insegurança, por competir espaço com fazendeiros do entorno, e do medo, por serem atacados com violência e sem, muitas vezes, conseguirem direito à defesa.
Sequestro e tortura
No sábado, segundo o relato do cacique Ilson, o xamoi e seu filho seguiam da aldeia às fazendas que circundam as tekohás, na busca de um trabalho em colheitas de milho.
Há um mês, a comunidade sofria pela escassez de alimentos, então a necessidade de um sustento que lhes desse alguma garantia era a salvaguarda diante do medo da fome. Estavam prestes a acessar a Rua Água do Bugre, que termina na BR-272, por volta do meio-dia, quando um carro branco, de quatro portas, parou e dele saíram dois homens brancos. O filho do xamoi correu até um ferro velho que avistou ao horizonte. Xamoi ficou. Mas ele não fala português, só entende, então quem narrou foi Ilson:
“Vieram de carro e surpreenderam eles! Eles estavam em dois, mas como os não índios [brancos] estavam armados, o mais jovem, filho do xamoi, correu para um ferro velho abandonado e se escondeu embaixo dos carros velhos. Mas enquanto ele corria, eles [brancos] dispararam dois tiros atrás dele. Já o xamoi, que tinha uma arma apontada pra ele, ficou sem reação. Vasculharam tudo, mas não encontraram o filho do xamoi. Então efetuaram disparos por cima do xamoi e, em seguida, amarraram os pés e mãos”.
Os sequestradores, segundo relatou Ilson, colocaram o xamoi no carro e levaram para uma casa próxima dali, onde as torturas começaram.
“Eles batiam com o cano [da arma]. Colocavam a pistola na boca dele e rodavam. Chutavam nas pernas, na barriga, davam coronhadas na nuca, afogavam ele numa poça d’água. Puseram sentado e deram tiro entre as pernas dele. Ele não respondia, porque não fala o português. Levaram ele pra um ferro velho e continuaram a bater nele. Depois levaram pra cidade e rodaram por algumas horas. Depois levaram ele para uma estrada de terra e pararam onde tinha um açude pra tirar o sangue que havia escorrido. Aí abandonaram ele lá e disseram pra ele não contar pra ninguém”, traduziu Ilson.
Segundo o cacique, pessoas com as mesmas descrições já estiveram envolvidas em outros crimes semelhantes, incluindo uma perseguição a um indígena por moto, em que o condutor vestia uma camisa de segurança.
“Acreditamos que seja racismo”, sentencia o cacique. “Porque eles vêm seguindo, de moto ou carro, indígenas que passam por aquela estrada [Rua Água do Bugre] para trabalhar. Dentro da aldeia não tem acontecido violência, mas fora da aldeia acontece algumas vezes. Os últimos atos de violência foram algumas ameaças na cidade, principalmente nos mercados. É racismo de não querer vender alimentos, principalmente depois do resultado das eleições, ou então de e acusarem indígenas de roubo, dizerem que está sumindo TVs e até geladeiras das residências deles. E assim agridem indígenas. Mas esses casos pouco são relatados, até pelo medo que as vítimas têm”, explicou.
Na tekoha Mirim, que também fica em Guaíra, um xamoi foi pego por homens brancos e posto num porta-malas. Antes da tortura, segundo disse o cacique da aldeia, ele conseguiu escapar e guardou com ele a violência sofrida, sem levar à Delegacia.
Os sequestradores, segundo relatou Ilson, colocaram o xamoi no carro e levaram para uma casa próxima dali, onde as torturas começaram / Divulgação
Procurada, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) não respondeu à reportagem sobre uma possível retomada da demarcação de terra nesses territórios; também não respondeu se há alguma investigação em curso sobre as violências históricas sofridas por essa região; e nem respondeu sobre quais atitudes tomaria em relação aos relatos de violência e intimidação que essa região sofre.
O espaço segue aberto para resposta da Fundação.
Fonte – Brasil de Fato PR