Crescimento de pessoas sobrevivendo nesta condição veio acompanhado de aumento na desproteção social e queda no rendimento médio
O número de pessoas sobrevivendo na informalidade bateu novo recorde no Brasil: são 39,3 milhões sem acesso a direitos (como 13º salário, férias, intervalo para descanso), sendo que deste contingente: 25,9 milhões estão trabalhando por conta própria. Somente de maio a julho, mais de 559 mil trabalhadores foram obrigados a recorrer a informalidade para dispor de alguma renda. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e foram divulgados no final de agosto.
Boletim publicizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) em maio de 2022, demonstrou que a taxa de pessoas trabalhando por conta própria aumentou 6,6% no primeiro trimestre de 2021 ante ao final de 2019. Entre as principais justificativas para o crescimento de trabalhadores autônomos está a pandemia de Covid-19 e os consequentes fechamento de postos de trabalho e agravamento da crise econômica.
É o caso de Cícero Gonçalves, verdureiro em Londrina. Oriundo do distrito de São Luiz, pai de seis filhos, já atuou em diversas áreas como na construção civil, mas devido a problemas respiratórios teve de sair do setor. O desejo pela reinserção no mercado de trabalho formal não deixa de lhe acompanhar. “Eu não tenho estudo. O estudo da gente antigamente, o cabo era a caneta e o livro, a enxada. Gostaria muito de ter um emprego com carteira assinada, é difícil ficar dentro de casa, a venda de verduras é um bico que faço dois dias na semana, na sexta-feira e sábado”, afirma.
Mais recentemente, as áreas que mais concentram trabalhadores informais são: construção, transporte, alojamento e alimentação. Um dos destaques é o aumento da categoria condutores de automóveis, táxis e caminhonetes. Em 2019, ela correspondia a 3,4% dos trabalhadores por conta própria, já em 2021, saltou para 5,8%, ou seja, de 1 milhão nesta área, aproximadamente 35% iniciaram o trabalho autônomo entre 2020 e 2021.
O estudo permite outras constatações: o rendimento médio dos trabalhadores por conta própria em 2021 equivalia a 69,1% do recebido por aqueles nesta condição em 2019, enquanto estes últimos possuíam renda mensal de R$ 2.074, os primeiros ganhavam R$ 1.434. A diferença chega a R$ 640,00 a menos no bolso dos trabalhadores por mês.
Porém, mesmo antes da crise sanitária gerada pelo novo coronavírus, mulheres e homens negros trabalhando por conta própria possuíam os menores rendimento e entre os dois também há disparidade, sendo que elas estavam na base da pirâmide social também entre os trabalhadores informais. Em 2021, o rendimento médio um homem negro trabalhando por conta própria há dois anos ou mais atingiu R$ 1.671, entre homens não negros, o valor foi de R$ 2.864. Já entre as mulheres: no mesmo período, enquanto negras receberam R$ 1.242, não negras ganharam R$ 2.368.
A investigação constatou também que, em 2021, apenas 20,6% dos trabalhadores por conta própria contribuíam com a previdência social. Em 2019, o índice era de 35,5%. A queda de contribuintes pode estar relacionada à baixa remuneração, o que dificulta o recolhimento.
De acordo com o relatório, o índice tem sido usado para mascarar a precarização do trabalho, pois comemora-se a queda na taxa de desemprego, condição que atingia 9,9 milhões de pessoas no último mês, indicando recuo de 9,1% no trimestre de maio a julho de 2022. Entretanto, não se pontua que a elevação no número de ocupados está condicionada ao desenvolvimento de funções precárias, ou seja, há uma grande massa de trabalhadores desassistida pela legislação trabalhista e recebendo cada vez menos.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.