Classificação segue diretrizes da ONU e do governo brasileiro e trata de mulheres assassinadas ‘na linha de fogo’ do ataque a outra mulher
Desde a divulgação do ataque brutal no Jardim Jamaica, que vitimou os estudantes Júlia Beatriz Garbossi, de 23 anos, e Daniel Takashi Suzuki Sugahara, de 22, e deixou ferida outra estudante, o Néias-Observatório de Feminicídios Londrina veio a público defender a classificação do caso como feminicídio.
Trata-se, conforme explica a associação, de dois casos: um feminicídio tentado e um feminicídio por conexão consumado.
A classificação segue as “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres“, documento publicado em 2016, formulado pela Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), Secretaria de Políticas para Mulheres/Ministério da Mulher, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e da Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça.
A diretriz prevê 13 tipos de feminicídio. O por conexão consiste na “morte de uma mulher que está ‘na linha de fogo’, no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. Pode se tratar de uma amiga, uma parente da vítima – mãe, filha – ou de uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima.”
Conforme amplamente divulgado pela imprensa, Júlia foi atacada ao tentar conter o agressor, Aaron Delesse Dantas, que mirava sua amiga. Em nota divulgada no domingo (3), o Observatório pontua que o feminicida, preso em flagrante pelos crimes, agiu motivado pelo sentimento de posse sobre a vítima sobrevivente, mesmo não existindo um relacionamento afetivo entre eles.
Diante das especulações veiculadas, a própria sobrevivente emitiu nota nesta segunda-feira (4) esclarecendo a relação com o autor dos crimes.
Emoção marca velório da estudante
O velório de Júlia Beatriz, nesta segunda-feira, foi marcado pela emoção não só da família, mas de professores e colegas dela. Integrante do Centro Acadêmico de Ciências Sociais, João Guilherme Aldegueri Marques, disse que a notícia sobre a morte de uma colega começou a circular pelos grupos de aplicativos no domingo logo cedo.
“Alguns professores repassaram mensagens de que uma aluna chamada Júlia havia sido morta, mas até então a polícia não havia divulgado o nome”, contou. A confirmação de que era sua amiga só veio à tarde. “Ela era minha caloura. Ficou todo mundo muito consternado. Foi um crime brutal e estamos em choque”.
A pró-reitora de Graduação da UEL, Ana Márcia de Carvalho, também lamentou o crime. “A menina tinha 23 anos, terminando o curso de graduação, então toda uma vida pela frente. É absolutamente inconsolável, tanto para a família quanto para a gente. Temos que tentar combater esse tipo de violência de todas as formas. Não podemos deixar esses crimes impunes”.
“É importante dizer que a possibilidade do feminicídio está sempre rondando todas as pessoas. Muitas vezes, ele vem de uma forma muito serena, com pessoas do convívio e que nem se imagina que teria a capacidade de fazer isso, e faz”, afirmou a vereadora Lenir de Assis (PT), presente no velório.
Ela ressaltou a falta de respeito para com as mulheres. “Essa questão da posse, a questão de olhar a mulher como objeto de posse. São questões que precisam ser trabalhadas na sociedade como um todo”. Para a vereadora, a sociedade vem sendo “permissiva” no combate ao feminicídio. “Muitas vezes até mesmo colocando a mulher como culpada e não como vítima”.
A parlamentar também disse que é preciso olhar o caso como um fenômeno social e não isolado. “A Júlia, lamentavelmente, uma jovem de 23 anos, estudante de ciências sociais, uma sonhadora, que queria ser professora. Era bastante combativa, inclusive nessas causas do feminicídio. E acabou sendo vítima”.
O jovem Daniel Suzuki também foi enterrado na tarde de hoje, por volta das 17h.
UEL e movimentos emitem notas de pesar
A reitoria da UEL emitiu nota de pesar pelo ataque aos três jovens e se declarou “comprometida em oferecer todo suporte e acolhimento necessários aos colegas de turma e demais membros da comunidade que estão sofrendo com essa perda”.
O curso de Artes Cênicas da UEL, do qual a vítima sobrevivente é estudante, emitiu nota de apoio e solidariedade aos atingidos e atingidas pelo ataque e reforçou o entendimento de feminicídio.
“Essas três pessoas foram vítimas de feminicídio, horrendo e muito presente na sociedade brasileira. Repudiamos o crime e toda a estrutura social que o permite e o alimenta, e com indignação pedimos justiça à violência brutal cometida contra essas pessoas. Repudiamos também as notícias apressadas e mentirosas que têm circulado, ferindo a imagem e memória das vítimas.”
A Juntes (Comissão de Prevenção à Violência Sexual e de Gênero do CECA – Centro de Educação, Comunicação e Artes da UEL) manifestou tristeza diante dos crimes e destacou que “feminicídios não são ‘crimes passionais’”. Para a comissão, essa abordagem só reforça a misoginia e o machismo presentes na sociedade.
“Repudiamos esse crime, a cultura do feminicídio e reiteramos a necessidade de criação de redes de combate à violência de gênero, com o compromisso de toda a comunidade acadêmica.”
A Frente Feminista de Londrina declarou “profunda tristeza” e solidariedade à família e amigos de Júlia, e clamou: “Parem de nos matar!”
A direção do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) da UEL cancelou as aulas nos cursos de graduação e manifestou pesar e solidariedade à família, amigos e e colegas de Júlia.
Fonte: Rede Lume de Jornalistas