Ação movida pelo Ministério Público contesta lei proposta pelo governo e que impõe teto para acesso de mulheres na carreira militar. Procuradoria do Estado diz que prepara projeto para revogar legislação
A lei paranaense 14.804, de 2005, está sendo contestada na Justiça pela Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Paraná (MP-PR) em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
O órgão alega que a lei, proposta pelo Governo do Paraná, limita a entrada de mulheres na Polícia Militar (PM-PR) e no Corpo de Bombeiros no estado. Pela legislação, até 50% das vagas no quadro de oficiais e praças de policiais militares, bombeiros militares são para mulheres.
“O fato da lei paranaense definir, na atualidade, um limitador no patamar de 50% não torna a restrição razoável ou proporcional. Com efeito, a inconstitucionalidade não se centra no percentual (10%, 20%, 30% ou 50%), mas na definição de um limitador (isto é, no fato de que a legislação estabelece um percentual máximo de cargos que podem ser ocupados por mulheres, calcado na ideia equivocada de que mulheres são inaptas a exercer todas as atividades inerente às carreiras de policial militar)”.
A ação do MP foi movida em agosto de 2022. No curso do processo, o Governo do Paraná, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), se manifestou favorável à legislação e pediu na Justiça para que a lei seja mantida como está.
No processo, a manifestação favorável à lei mais recente por parte do governo foi em fevereiro.
Em nota conjunta, após questionamento do g1, a PGE e a Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa afirmaram que o governo estadual tem a intenção de propor um projeto de lei para revogar o trecho da legislação que limita as vagas para mulheres nas corporações. Leia a íntegra abaixo.
De acordo com a Polícia Militar, dos mais de 23,1 mil agentes que compõe o efetivo, cerca de 2,4 mil são mulheres.
A briga judicial
Em 22 de agosto de 2023, um ano após ação do MP ter sido apresentada, o pedido do órgão foi negado por unanimidade pelos desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Na ocasião, o governo defendeu a lei, dizendo que o limite de 50% nas vagas “não representa restrição, nem mesmo situação de discriminação contra as mulheres”.
Em 22 de janeiro deste ano, o Ministério Público apresentou um recurso extraordinário dentro do processo.
Em 29 de fevereiro, o governo estadual, então, se manifestou pela manutenção lei, pedindo que a primeira decisão dos desembargadores fosse mantida.
No processo, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) disse que a restrição de até 50% está fundamentada “nas diferenças físicas entre homens e mulheres, o que encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e não representa situação de discriminação contra as mulheres”.
Especialistas criticam
Para a advogada Alessandra Abraão, especialista em Direito das Mulheres e mestranda em Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a lei estadual vai contra uma série de legislações que inserem as mulheres em profissões consideradas masculinas.
“Essa legislação é contrária a todas as políticas afirmativas que vêm sendo discutidas e aplicadas para inserção das mulheres em todos os espaços, principalmente, naqueles tidos, culturalmente, como masculinizados. Isso só reforça o estereótipo de fragilidade das mulheres, que a gente tanto combate. Precisamos acabar com isso, e não reforçar.”
Segundo a presidente do Movimento das Mulheres Policiais do Brasil (MMUP), Eline Teixeira Lemos, a mulher que deseja ingressar em alguma força de segurança enfrenta um preconceito cultural de que ela não pode exercer uma atividade como a policial.
Para Eline, a lei paranaense que fixa um percentual para a entrada de mulheres nas corporações é discriminatória.
“O Estado, enquanto gestor do concurso, quando coloca um quantitativo, um percentual, está sendo discriminatório. Quem for considerado apto e obtiver a nota esperada dentro da avaliação, ótimo. Porém, na minha opinião, isso independe do sexo”.
A organização presidida por Eline foi criada em 2020 e reúne representantes femininas de forças de segurança federais, estaduais e municipais.
Quais os argumentos do Ministério Público e do governo
No recurso para tentar revogar a lei, o MP argumentou que as mulheres não podiam ingressar na Polícia Militar do Paraná até 1977, quando conquistaram esse direito.
A corporação foi criada em 10 de agosto de 1854 – ou seja, foram 123 anos até as mulheres conseguirem entrar nas fileiras da corporação.
O MP também citou no recurso que, antes do teto de 50% estipulado em 2005, uma outra legislação paranaense restringia ainda mais a entrada das mulheres.
Conforme o órgão, a lei 12.975, de 2000, impôs por cinco anos o limite de 6% para as mulheres que queriam ser militares.
Durante o julgamento no TJ, os desembargadores foram contra as argumentações e votaram contra a ação por entenderem que a Constituição admite que se estabeleçam critérios diferenciados para admissão em cargos públicos.
Segundo o Ministério Público, a questão pode reforçar associações generalistas de que todas as mulheres possuem menos força física de que os homens.
“O que se contesta é o fato de se utilizar uma característica biológica para, a partir dela, produzir a inadmissível generalização de que mulheres não podem exercer plenamente atividades militares. As mulheres não são despidas de força física. Elas a possuem, de modo que a questão referente à ocupação de funções militares é a de saber quais são os requisitos físicos efetivamente necessários para o pleno exercício das funções”, afirma o MP no recurso.
Do outro lado da disputa jurídica, a Procuradoria Geral do Estado argumentou que a lei deve ser mantida porque, do jeito que está, “não representa discriminação contra as mulheres” e “não impede que mulheres ocupem os quadros da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros”.
Atualmente, o recurso está aguardando decisão da desembargadora Joeci Machado Camargo, 1ª vice-presidente do Tribunal de Justiça.
A assessoria de imprensa do TJ não soube dizer quando o recurso será analisado.
O que diz o Governo do Paraná
Em nota, a Procuradoria Geral do Estado e a Secretaria da Mulher disseram que o governo deve enviar para a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) um projeto que acaba com a limitação de vagas femininas. Veja a nota completa:
“É dever da Procuradoria-geral do Estado (PGE) fazer a defesa da constitucionalidade da Lei.
No entanto, em virtude do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), com relação ao percentual de participação de mulheres em concursos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, o Governo elabora um dispositivo que revogará o artigo da Lei 14.804/2005, que limita tais vagas.
A PGE está em fase de conclusão das justificativas técnicas e jurídicas do novo PL, e juntamente com a Casa Civil, a Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa (Semipi) e a Secretaria da Segurança Pública (SESP), enviará para apreciação da Assembleia Legislativa.
O Governo do Paraná tem trabalhado incansavelmente na construção de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero no Estado, considerando a necessidade de garantir o protagonismo feminino e igualdade em todas as relações humanas”.
Fonte: G1