Legislação avançou no período, mas ainda enfrenta desafios como a morosidade da Justiça
Há 16 anos, em 07 de agosto de 2006, a Lei 11.340, mais conhecida como Maria da Penha, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Referenciando o caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte do então companheiro Marco Antônio Heredia Viveiros em 1983, a legislação busca prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. O marco alcançou reconhecimento de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidos (ONU) que já a considerou uma das leis mais avançadas no assunto em nível mundial.
Ao longo dos anos, a iniciativa passou por reformulações, a exemplo da emenda 13.505, de 2017, que estabelece que mulheres em situação de violência doméstica e familiar devem ser atendidas, preferencialmente, por policiais e peritos do sexo feminino. Outra alteração ocorreu em 2019, através da emenda 13.827, responsável por garantir medidas protetivas de urgência (MPUs). Este mecanismo busca romper com o ciclo de violência contra a mulher, que tende a começar com agressões verbais, passando para agressões físicas, podendo resultar em casos de feminicídio.
A mudança possibilitou que autoridades policiais (escrivão, delegado, agente de polícia e polícia militar) também estão legitimados a conceder medidas protetivas de urgência, quando houver risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher. Em 2021, o número de MPUs concedidas pelos Tribunais de Justiça no país aumentou 14,4%, segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A partir da instauração da política pública, iniciativas como a suspensão de eventual posse ou porte de armas do agressor, afastamento do lar e da vítima, encaminhamento da mulher e seus dependentes a serviços de acolhimento podem ser aplicadas.
Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021, foram contabilizados 630.742 novos casos de violência doméstica no Brasil. Em 2020, as ocorrências somaram 558.971. No Paraná foram notificadas 17.340 queixas em 2020 e 17.449 em 2021. O índice de medidas protetivas de urgência concedidas também cresceu neste período. Em 2020, foram autorizadas 323.570, em 2021, o número chegou a 370.209, representando aumento de 13,6%. No Paraná, o salto foi ainda maior: 16.320 medidas protetivas de urgência concedidas em 2021 ante a 13.621 no ano anterior, o que corresponde a acréscimo de 18,9%.
Em abril de 2022, data da emissão do último relatório sobre violência doméstica pela Polícia Civil no Paraná, foram registradas 2.147 lesões corporais no estado (infração mais recorrente), 2.099 ameaças e 777 casos de injúria. A maioria das vítimas (60%) era formada por mulheres brancas e a média de idade foi 35 anos. Predominantemente (85%) das violências foram cometidas na residência sendo o agressor mais frequente identificado do sexo masculino (3.511 dos autores identificados) e branco (58%). Neste período, 2.388 medidas protetivas foram requeridas no território paranaense.
Camila Belisario, antropóloga e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) em entrevista ao Brasil de Fato destacou a importância de denunciar a fim de romper o ciclo de violências, porém ela também chama atenção para algumas limitações do amparo institucional como a morosidade do sistema judiciário no andamento dos processos que podem levar à prisão do agressor. Frente a este cenário, a estudiosa pontua que a medida protetiva pode inibir a escalada de violência uma vez que possibilita a prisão em flagrante do agressor. A detenção varia de três meses a dois anos.
Belisario também ressalta o desamparo das vítimas após denúncia. O programa “Patrulha Maria da Penha”, da Polícia Militar, tem as finalidades de fiscalizar e visitar as casas de mulheres vítimas de violência. Em Londrina, a medida foi instituída em outubro de 2021 (Lei municipal 13.246), porém já era ofertado desde 2015 através de parceria entre a administração local, o Tribunal de Justiça do Paraná e a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID). Na cidade, mulheres com medida protetiva podem acionar a Guarda Municipal através do aplicativo 153, estabelecido em substituição ao botão do pânico.
No último ano, 4.050 medidas protetivas de urgência foram expedidas em Londrina para as mulheres contra seus agressores. De janeiro a setembro, a Patrulha Maria da Penha atendeu 450 chamados de emergência na cidade, sendo 303 relacionados a casos de descumprimento de medida protetiva. Levantamento do Néias – Observatório de Feminicídios, identificou que entre os 11 julgamentos de feminicídios tentados e consumados no município, em 2021, três vítimas contavam com medida protetiva de urgência em vigor na ocasião do crime. Em um dos casos, Sandra Mara Curti requereu a proteção dois dias antes de ser assassinada pelo companheiro Alan Borges, porém teve o pedido negado.
Para além da violência física
A Lei Maria da Penha não tipifica a violência doméstica apenas como agressões (espancamento, atirar objetos, entre outras). Outras formas de opressão também são consideradas pela legislação, a exemplo de violência psicológica (ameaças, constrangimento, isolamento etc.) sexual (estupro, limitar exercício dos direitos sexuais e reprodutivos) patrimonial (controlar dinheiro, deixar de pagar pensão alimentícia, destruir documentos) e moral (expor a vítima intima, desvalorização da vítima pela forma como ela se veste entre outros juízos de valor pelo comportamento).
É importante lembrar também que a partir deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha se aplica a casos de violência doméstica ou familiar cometidos contra mulheres transexuais.
Denúncias
Em casos emergenciais, a ligação deve ser feita pelo 190 pela vítima ou qualquer pessoa que presencie a agressão. Em casos em que a violência não está ocorrendo naquele momento, porém a mulher está submetida a uma relação abusiva ou situação violenta, denúncias podem ser realizadas pelo 180 ou disque 100. Desde 2020, é possível registrar boletim de ocorrência online. Para mulheres residentes no Paraná, a queixa pode ser realizada no seguinte site: https://www.policiacivil.pr.gov.br/BO
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.