Em períodos de chuva, crianças já ficaram até 15 dias sem conseguir ir à escola por falta de transporte
Na manhã da última terça-feira (6) moradores do assentamento Eli Vive, em Lerroville, no município de Londrina, bloquearam a estrada que leva à comunidade com o intuito de impedir a saída de máquinas da Prefeitura. A manifestação solicita que as obras para melhoria das estradas rurais sejam finalizadas.
Direcionados para recapear a estrada principal, os equipamentos deixariam o local sem resolver a dificuldade de locomoção nos trechos internos do assentamento, prejudicando as mais de 500 famílias que residem no espaço. O coletivo cobra a construção de estradas há mais de uma década.
“O que acontece hoje é que estamos em um verdadeiro caos. As nossas estradas internas do assentamento estão sem condições de rodar novamente. Essa é uma situação que já se arrasta desde a construção do nosso assentamento, há 15 anos”, explica Sandra Ferrer, mais conhecida como “Flor”, moradora do Eli Vive e coordenadora estadual do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no Paraná.
A liderança pontua que, há cerca de um ano, as famílias assentadas se reuniram com o prefeito, Marcelo Belinati (PP) para discutir a situação das estradas rurais. A dificuldade se agrava em períodos de chuva, quando a mobilidade fica totalmente comprometida, inclusive, do transporte escolar.
Há épocas em que as crianças ficam até 15 dias sem conseguir chegar à escola. Mais de 330 estudantes frequentam o Colégio Estadual Maria Aparecida Rosignol Franciosi e a Escola Municipal Trabalho e Saber, localizados na sede da comunidade.
Ela lembra que, na ocasião o mandatário do poder Executivo local se comprometeu a iniciar as obras para tapar os buracos e permitir o trânsito dos moradores, bem como o escoamento da produção, porém o acordo não foi cumprido.
“O trabalho de levar as crianças para a escola, para que, agora, em época de safra, os caminhões e as colheitadeiras consigam trafegar para escoar nossa produção, passou todo esse tempo e não foi feito. A garantia dessa conversa lá atrás não se aconteceu, não se concretizou. Nós estamos sem transporte escolar porque as empresas pararam por falta de condições de rodar nas estradas, as crianças sem poder ir para a escola, a nossa produção toda parada, sem conseguir sair de dentro do assentamento, caminhões carregados, ali com milho, feijão”, observa.
Flor destaca que a principal finalidade do protesto foi chamar atenção das autoridades locais, a exemplo do vice-prefeito e secretário municipal de Agricultura, João Mendonça (Podemos), para a gravidade da situação enfrentada pelas famílias.
“A gente reivindicou, fizemos chegar até ele [João Mendonça] a nossa indignação pelo descaso da Prefeitura em estar com as máquinas trabalhando em frente ao assentamento, organizando a estrada principal que é do município e não entrando para dentro das nossas áreas para poder arrumar os galhos, passar a máquina, dar uma ajeitada com o rolo, para dar uma melhorada até mesmo para os dias de chuva”, indica.
Em assembleia, as famílias definiram que enquanto as estradas não estiverem melhores condições, as máquinas da Prefeitura não devem deixar o assentamento.
A maior parte da produção do assentamento é processada e comercializada pela própria comunidade, por meio da Cooperativa Agroindustrial de Produção e Comercialização Conquista (Copacon). Em 2023, a Copacon registrou uma produtividade de 1.220 toneladas de alimentos, impactando diretamente as escolas locais e contribuindo para a alimentação saudável de mais de 81 mil alunos da região, por meio do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE).
Secretário de Agricultura de Londrina participa de reunião com as famílias do Assentamento Eli Vive
Face ao protesto das famílias, o secretário municipal de Agricultura, João Mendonça compareceu ao assentamento na tarde desta quarta-feira (7). No encontro, os moradores compartilharam as demandas e ele afirmou que o maquinário começaria a atuar nos pontos críticos, garantindo a oferta do transporte escolar.
“Em seguida a nossa mobilização, o secretário da Agricultura e também vice-prefeito, João Mendonça, nos procurou e marcou uma reunião no dia seguinte. As famílias permaneciam ainda, e ele veio até o assentamento, conversou com as famílias e garantiu que as máquinas da Prefeitura só iriam sair do assentamento após fazer as adequações nos pontos críticos. Não é possível fazer em todo o assentamento, mas os pontos críticos, ele estaria se comprometendo em fazer todo o serviço necessário para poder manter minimamente em condições de rodagem, para que o transporte escolar voltasse a trabalhar e puxar as crianças para a escola e que a gente conseguisse, então, escoar a nossa safra”, acrescenta Flor.
Uma comissão do assentamento irá acompanhar diariamente as atividades, e as famílias seguem mobilizadas até a conclusão dos trabalhos.
O território do assentamento Eli Vive I e II tem mais de 7 mil hectares, considerado o maior assentamento localizado em uma região metropolitana do Brasil. Ao todo, a comunidade tem 109 quilômetros de estradas, a maioria em condições precárias.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.