Moradores usam água suja retirada de fundo de vale para necessidades básicas
Imagine ficar duas semanas sem acesso à água e não saber quando as torneiras voltarão a funcionar. Esta é a situação enfrentada por cerca de 18 famílias residentes no Morro do Carrapato, na zona leste de Londrina.
A ocupação existe há mais de 30 anos e, hoje, abriga aproximadamente 60 moradores, entre idosos, pessoas com deficiência e crianças.
Padre Dirceu Fumagalli, vigário social da Arquidiocese de Londrina, classifica a condição das famílias como “a mais desumana já vista”. De acordo com ele, os moradores sofrem com constante ameaça de despejo.
“É um território que tem três propriedades, da Assaí, da Sena e uma parte da chácara que chama Dona Clarice, essa nunca entrou com mandato de despejo. Está em curso um processo de remoção daquelas famílias, através da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná, envolvendo vários órgãos públicos como a Prefeitura de Londrina, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os proprietários”, explica.
Segundo a liderança, em outubro do ano passado, foi estabelecido um acordo que permitia a permanência no local por mais 18 meses, ou seja, até abril de 2025. Durante esse período, caberia a Prefeitura providenciar outro espaço para a transferência das famílias.
Porém, dez meses depois, a vulnerabilidade se intensificou a passos largos. “A comunidade foi toda cercada por arame farpado, bloquearam as entradas, cortaram a água. Então, é uma situação extremamente deplorável de violação de humanos”, pontua.
“E nesses dezes meses, que eu saiba, não teve nenhuma iniciativa. A Prefeitura não tomou nenhuma medida de encaminhamento. Pior ainda, doou um terreno na lateral dessa ocupação para a empresa Garcia, que ao iniciar a infraestrutura para instalar ali uma garagem, a Sanepar [Companhia de Saneamento do Paraná] teve que fazer uma adaptação da rede e foi cortada a água para a comunidade”, acrescenta.
Padre Dirceu destaca que o desabastecimento tem impossibilitado desde cuidados básicos com higiene pessoal à frequência escolar. “A criança não vai a escola porque não tem como tomar banho, o cadeirante não tem acesso à água, e assim, nós vamos observando que a comunidade vai mergulhando numa realidade sub-humana”, diz.
Além da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná e Ministério Público, a Sanepar também foi acionada. Uma equipe da estatal chegou a visitar o espaço para verificar os ajustes necessários a fim da religação, mas até o momento a oferta de água não foi reestabelecida. A reportagem entrou em contato com a empresa e aguarda retorno.
“A justificativa é teve uma readequação do fornecimento da água naquela região, claro, para resolver o problema da Garcia, mas na hora de religar, esquecem da comunidade do Morro do Carrapato. Nada foi encaminhado, persiste essa situação deplorável. Nós estamos na expectativa que a empresa retome o fornecimento de água”, adverte.
Ainda, de acordo com a liderança, constantemente a região é alvo de descarte irregular de lixo. “O pessoal coloca fogo, é inimaginável que Londrina ainda suporte essa realidade há anos e ninguém tem feito absolutamente nada para melhorar a dignidade daquelas famílias”, observa.
Padre Dirceu ressalta a frequente violação de direitos de grupos marginalizados. “As empresas não se importam com essas vidas vulneráveis, e o poder público, muitas vezes, importa porque para ele é um peso e não uma responsabilidade que tem de garantir a essa população o acesso ao direito. O pobre não é problema, o pobre não é custo, o pobre é um sujeito na sociedade, portador de direitos e o estado tem que garantir a esse cidadão, a cidadã, o direito”, finaliza.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.