Encontro reforçou a necessidade de ações integralizadas entre movimento sindical, poderes públicos e empregadores
No último mês, “a saúde mental no trabalho” foi tema de evento sediado pelo Sindicato dos Bancários de Londrina e Região. O encontro foi promovido pelo Coletivo de Sindicatos de Londrina, vereadora Lenir de Assis (PT) e contou com a participação do psiquiatra Marcelo Kimatti, coordenador do Programa de Saúde Mental e Trabalho na Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho).
Fundada em 1979, a Fundacentro é vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego e tem entre suas principais finalidades a elaboração de pesquisas e cursos que contribuam para a difusão de conhecimentos que promovam a segurança e saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, visando o desenvolvimento sustentável, com crescimento econômico, equidade social e proteção do meio ambiente.
Além de Marcelo Kimatti e Lenir de Assis, também integraram a mesa, Luciana Toshie Sumigawa, professora de Artes e secretária de Política Sindical da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de escola do Paraná) Núcleo Londrina e Laurito Porto de Lira Filho, secretário de Formação do Sindicato dos Bancários.
“Os objetivos do encontro foram ouvir o Marcelo Kimatti sobre a proposta da ida dele para a Fundacentro e saber que tipo de trabalho virá a ser realizado junto a saúde mental dos trabalhadores. Uma vez que hoje os transtornos ligados à saúde mental têm uma grande correlação com as condições e as relações de trabalho que estão expostas no seu dia a dia”, explica Laurito.
Kimatti chamou a atenção para o desmantelamento da política nacional em saúde mental nos últimos anos, com destaque para o corte de recursos efetuado em 2022, o maior de todos. De acordo com o especialista, se por um lado, os serviços de acolhimento têm diminuído, por outro, a demanda tem sido cada vez maior, visto o aumento de diagnósticos de doenças mentais, principalmente, após a pandemia de Covid-19. Informações da OMS (Organização Mundial da Saúde) revelam que apenas no primeiro ano da crise sanitária global, ou seja, em 2020, casos de ansiedade e depressão cresceram 25%.
O desenvolvimento de ações preventivas no ambiente de trabalho bem como tratamento dos funcionários que apresentam algum quadro de adoecimento mental também foram apontadas como demandas urgentes pelo médico. Ele também sinalizou a importância de os sindicatos criarem canais de acolhimento e sistematização de dados para subsidiar a criação de programas e a atuação dos serviços públicos responsáveis pelo cuidado e promoção da saúde do trabalhador.
“A precarização do mundo do trabalho e das relações interpessoais envolvidas para a realização do processo produtivo das mais diversas atividades associadas ao constante medo da perda do emprego e consequentemente a perda das condições mínimas para sobrevivência tem levado as pessoas a sofrer. Esse sofrimento vai ser visto pela sociedade no aumento das doenças de ordem emocional, como a ansiedade e a depressão. Essas podem ser as mais frequentes, mas existem outros transtornos mais graves que são incapacitantes como o Burnout e a síndrome do pânico. E temos visto que existe uma lacuna nos serviços de atendimento sejam eles públicos ou privados para garantir de um lado a assistência e do outro lado a criação e a aplicação de políticas públicas que possam prevenir e promover a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras nos seus locais de trabalho”, destaca Laurito.
A liderança evidencia também casos de assédio moral nos espaços corporativos e as consequências para a saúde mental dos trabalhadores. “Uma grande causa do adoecimento, o uso do assédio moral como instrumento de gestão garantidor de produção, que quando não é combatido pode levar a problemas relacionados à saúde mental chegando em alguns casos deixar a pessoa em uma condição tal de sofrimento que ela tira a própria vida”, adverte.
Para o sindicalista, serviços públicos voltados à saúde mental do trabalhador “praticamente não existem” em Londrina. “Hoje, o trabalhador com problemas de saúde de qualquer aspecto ele é visto como uma máquina quebrada e que o capitalista deve trocar. Desrespeitando o princípio da integralidade que existe no SUS [Sistema Único de Saúde] para a realização de ações para promoção de saúde, prevenção de doenças, tratamento e reabilitação”, avalia.
Laurito reforça a necessidade de atividades integralizadas nos locais de trabalho articuladas com os serviços públicos, ou seja, que não sejam realizadas apenas discussões esporádicas sobre saúde do trabalhador, mas que sejam criados protocolos de prevenção, diagnóstico, tratamento, fiscalização de maneira a garantir o bem-estar físico e psicológico dos colaboradores face a relações de trabalho cada vez mais precarizadas.
“Muitas vezes a única ação que é desenvolvida é a semana interna de prevenção de acidentes de trabalho (SIPAT) com a realização de palestras e nada mais. E nessas semanas muitas vezes não contam com a participação do poder público nem mesmo com a distribuição de materiais de conscientização no âmbito da saúde do trabalhador”, afirma.
“O atendimento que é dado quando a pessoa fica doente é através do plano de saúde da empresa que não possui condições de realizar ações dentro do ambiente de trabalho da pessoa que é o fator gerador do problema. Quem teria essa capacidade é o poder público, mas as estruturas de fiscalização do trabalho na Vigilância em Saúde e dentro do Ministério do Trabalho não possuem nem mesmo pessoal suficiente para realizar a fiscalização e quando tentam fazer pode ocorrer casos de violência contra esses agentes lembrando aqui o que ocorreu em Unaí. Quando falamos de trabalhadores por conta própria e trabalhadores de plataforma a coisa é ainda pior”, acrescenta Laurito.
O caso lembrado por ele refere-se ao episódio que ficou conhecido como “Chacina de Unaí”. Há 19 anos, auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram assassinados em uma emboscada na zona rural de Unaí, município de Minas Gerais. A equipe fiscalizava a existência de situações análogas à escravidão em fazendas da família Mânica. O massacre fez com que 28 de janeiro fosse lembrado como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravizado.
“O encontro nos trouxe perspectivas de atuação e a necessidade da realização de parceria junto a Fundacentro e também um maior contato com departamentos sindicais para a realização de trabalhos na área de saúde para transformar experiências positivas realizadas por sindicatos, pelo poder público, através de atuação conjunto de sindicatos e poder público, atuação conjunta entre sindicatos e empresariado que tratam da saúde do trabalhador possam ser aplicadas em outras localidades e até mesmo possam se tornar uma política pública em saúde do trabalhador e da trabalhadora”, pontua.
Na última quinta-feira (7), após 24 anos, o Ministério da Saúde divulgou a atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, de modo que houve a incorporação de 165 novas enfermidades, entre elas, Síndrome de Burnout, ansiedade e depressão, foram incluídas nessa nova listagem.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.