Pesquisa aponta que principais agressores são ex e atuais companheiros. Indica também que quase metade das vítimas não denunciam os abusos
Investigação desenvolvida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Datafolha revela que todas as formas de violência contra a mulher cresceram em 2022 no país. O estudo chamado “Visível e Invisível: A vitimização das mulheres no Brasil” foi publicado nesta quinta-feira (2). De acordo com a pesquisa, 50.962 mulheres sofreram violência todos os dias no último ano, “o equivalente a um estádio lotado”, alerta o documento.
Ainda, com base no levantamento: 18,6 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência no último ano (28,9%). Os ataques são diversos, incluem desde ofensas verbais (23,1%); perseguição (13,5%); chutes e socos (11,6%); espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%); ameaça com faca e arma de fogo (5,1%). Em média, as brasileiras foram agredidas pelo menos quatro vezes ao longo dos 12 meses. Entre as mulheres divorciadas, a média foi de nove agressões no mesmo período.
Quem são essas mulheres?
As mulheres negras são as vítimas mais recorrentes (65,6%), seguidas das mulheres brancas (29%) e indígenas (3%). A incidência das agressões também é maior entre as mulheres mais jovens: 53,1% possuem entre 16 e 34 anos. A casa continua sendo o lugar mais perigoso para mulheres: 53,8% dos abusos ocorreram no ambiente doméstico, em segundo lugar está a rua (17,6%).
Os principais agressores são ex-parceiros (31,3%) e atuais companheiros (26,7%). As violências mais frequentes cometidas pelos ex-namorados e cônjuges são: psicológica (32,6%), física (24,5%) e sexual (21,1%).
Para a advogada Marina Cesário, o fato de os parceiros serem os que mais agridem tem entre suas causas a cultura machista que legitima a ideia de que a mulher é inferior ao homem, devendo ser submissa. Ela destaca que o rompimento de relacionamentos por parte das mulheres é frequentemente apontado como suposta motivação para agressões e crimes de feminicídio, reiterando a compreensão de que a vida da mulher é propriedade do companheiro.
“Mulheres que tentam por fim a namoros, casamentos ou mesmo relações casuais têm sido vítimas de violências na maioria das vezes cometidas pelos parceiros que não “aceitam” a decisão tomada por elas. Notamos que estes abusos estão assentados na compreensão de que a mulher não tem gerência sobre seu corpo, história, sentimentos. A mulher é entendida como um objeto e, assim, seu dono pode fazer o que desejar com ele”, ressalta.
A profissional aponta também que a falta de investimentos em serviços de acolhimento para mulheres vítimas de violência nos últimos quatro anos, a partir da ascensão de Jair Bolsonaro (PL) à presidência. O seu governo foi marcado por uma agenda contrária à igualdade e diversidade de gênero que pode ser observada pelo desmantelamento de canais como Ligue 180.
“Levantamento do Instituto Patrícia Galvão identificou que Bolsonaro cortou 90% da verba disponível para ações de enfrentamento à violência contra a mulher durante sua gestão, passando de R$ 100 milhões para um pouco mais de R$ 30 milhões. É mais uma demonstração de misoginia, de ódio às minorias, é a reafirmação de que algumas vidas valem menos do que outras e não merecem cuidados, tampouco acesso a direitos”, adverte.
Quase metade das mulheres não denunciam
Também segundo a pesquisa, quase metade das mulheres (45%) não procuraram ajuda após a agressão. Entre as que buscaram auxílio, a maioria recorreu à família (17,3%), amigos (15,6%) e Delegacia da Mulher (14%). Majoritariamente, entre as razões para não procurarem a polícia, elas pontuaram que resolveram a situação sozinhas (38%).
Chama a atenção também que entre as justificativas para não denunciarem, parte das vítimas indicou não acreditar que a polícia pudesse oferecer alguma solução (21,3%). Em terceiro lugar, informaram que não tinham provas suficientes (14,4%). Acompanhe a seguir as variações nas violências mapeadas:
Assédio: (+8,8%)
Amedrontamento ou perseguição: (+5,6%);
Batida, empurrão ou chute: (+5,3%);
Ofensa verbal (insulto, humilhação ou xingamento): (+4,5%);
Ofensa sexual: (+3,6%);
Tentativas de espancamento e estrangulamento (+3%);
Ameaças com faca e arma de fogo: (+2%).
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.