Com o objetivo de investigar o processo de produção do espaço urbano na Zona Sul de Londrina, um estudante do curso de Geografia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) realizou um estudo comparativo envolvendo a variação do preço médio do solo entre 1991 e 2021, período em que o município experimentou um acelerado processo de transformação urbana. A conclusão da pesquisa, que representa a continuidade de um estudo apresentado à Universidade em 1991, aponta contradições dentro deste processo, que passam pela questão do acesso à moradia e por diferenças na qualidade da infraestrutura urbana oferecida à população.
Para embasar estas discussões, Vinicius Belquiman Pereira conta que o referencial teórico do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) utiliza conceitos de espaço geográfico, espaço urbano e uso do solo urbano para preparar as análises posteriores em torno da terra urbana enquanto mercadoria, e a influência desta mercadoria na produção do espaço e ao acesso à moradia . Desta forma, o estudo também joga à luz os papéis desempenhados pelo mercado imobiliário de Londrina, assim como a atuação dos agentes públicos neste processo de desenvolvimento. Sobre este aspecto, cabe destacar que o primeiro Plano Diretor de Londrina foi aprovado aos 54 anos de emancipação do município, em 1998. Este conjunto de leis que determinam, por exemplo, o perímetro urbano da cidade, passaram por uma revisão importante em 2008, quando houve a expansão do perímetro urbano, o que fez a cidade “avançar” para áreas rurais.
“Percebemos diferenças de infraestrutura entre os bairros que são mais e menos valorizados, diferenças no padrão de construção das habitações, além da importância da atuação do Poder Público na produção do espaço urbano, principalmente retratando a expansão do perímetro urbano londrinense e direcionando as obras de infraestrutura em alguns bairros e não em outros”, pontua Pereira.
As áreas que foram objetos do estudo compreendem a região Sul e parte da Zona Oeste da cidade, seguindo por uma faixa que tem como referência a PR-445 entre a divisa com o município de Cambé e a saída para Curitiba, passando por localidades entre o Conjunto Avelino Vieira e o Jardim União da Vitória. Esta região foi dividida em cinco setores e com um levantamento do preço no mercado imobiliário, foi possível chegar à uma média do preço do m² para cada bairro e setores pesquisados.
“Supervalorização”
Diferentemente do esperado, a pesquisa apontou o Guanabara como bairro que apresentou, em 2021, os preços mais altos do solo urbano. Após a análise do preço do m² coletado no mercado imobiliário, foi possível concluir que o bairro registrou “supervalorização” média de 1383%, entre 1991 e 2021, quando se intensifica o processo verticalização na Gleba Palhano, bairro e áreas próximas que se desenvolvem sob a influência do Shopping Catuaí, que surge no início da década de 1990 como o grande catalisador imobiliário da região.
Outros bairros também registraram “supervalorização”, com taxas ainda maiores, como o Jardim Acapulco (2551%), Parque Ouro Branco (2416%) e Jardim Perobal (2008%). Este fenômeno está relacionado ao baixo custo dos lotes nestas localidades em 1991, paralelamente ao processo de expansão urbana que a cidade atravessou neste período. Além da expansão e o surgimento de outros bairros, as instalações dos terminais de transporte coletivo também colaboraram com a valorização do solo.
Orientador do Trabalho de Conclusão de Conclusão de Curso, o docente Fábio César Alves da Cunha, do Departamento de Geografia, do Centro de Ciências Exatas (CCE), foi o autor do TCC usado por Pereira como referência, escrito há três décadas.
Cunha lembra que o capital imobiliário exerce um poder muito grande sobre a produção do espaço urbano, havendo, por outro lado, a pressão da população sobre o Poder Público em busca de moradia. Desta forma, o Estado tenta “amenizar” o problema do déficit habitacional “regulamentando assentamentos e ocupações, ou promovendo a construção de conjuntos habitacionais”, lembra.
“Mas, essa valorização intensa dificulta o acesso ao solo urbano mesmo para esses projetos de moradia. As áreas que sobram, com um preço mais acessível, são as mais distantes do centro urbano. O exemplo do União da Vitória é interessante porque é um bairro distante do centro e com declividade bastante acentuada, o que acaba por agravar problemas ligados à construção e manutenção da infraestrutura urbana”, pontua.
Acesso
Outro aspecto importante da pesquisa foi a utilização do salário mínimo como referencial para a análise dos valores do preço do m² do solo trabalhado neste período de 30 anos. A utilização deste indexador surgiu no TCC de Fábio Cunha ainda sob a vigência do Cruzeiro como moeda nacional e seu uso permitiu que fosse possível realizar uma atualização desses valores para os dias de hoje.
“O estudo mostrou que, em 1991, o metro quadrado no Parque Guanabara custava cerca de 47% do salário mínimo e, em 2003, atingia o equivalente a 68%. De 1991 para 2021, que é quando ocorre o desenvolvimento da Gleba Palhano, registramos uma valorização de 1383% (no Parque Guanabara), ou seja, quase 14 vezes mais. Já o preço do metro quadrado passou a representar 706% do salário mínimo.” complementa Pereira.
Vinicius Belquiman Pereira também lembra que, se levado em consideração o valor de um lote de 250 metros quadrados no Parque Guanabara e o pagamento de um salário-mínimo como parcela, seriam necessários 147 anos de trabalho para quitar o bem material.
Com base nesta realidade, o pensamento do geógrafo britânico David Harvey permanece atual. Em trabalho orientado pela docente Yoshiya Nakagawara Ferreira, Cunha cita o teórico. “A cidade é um teatro e cada lote urbano é uma poltrona. Quem chega por último ocupa os piores lugares e o que define a ordem de chegada é a condição de classe”.
Fonte: Redação Tem Londrina