Em entrevista ao Jornal da CUT, a diretora-técnica do Dieese, Adriana Marcolino, explica como a política do Banco Central de manter os juros altos pode impactar na mesa dos trabalhadores
“O absurdo de forçar o brasileiro a comer menos para conter a inflação”. Essa é a avaliação feita pela diretora-técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino, em relação à condução da política monetária pelo Banco Central, nos últimos dois anos, período em que vem mantendo a taxa de juros básica da economia, a Selic, em patamares elevados.
Instituição independente, o Banco Central é presidido pelo bolsonarista Roberto Campos Neto.
Em entrevista ao Jornal de Rádio da CUT, Adriana explica que um dos mecanismos de controle da inflação é, justamente, frear o consumo. No entanto, ela diz, o grupo que vem pressionando a inflação pra cima nos últimos meses é o da alimentação.
“O ‘remédio’ para controlar a inflação é manter os juros altos. Então, quando você mantém o juro alto, significa que você está propondo que as pessoas não consumam alimentos para que os preços baixem”, explica a economista.
“É um absurdo pensar que o que se quer é conter os preços que pressionam a inflação com a redução do consumo de alimentos pelos trabalhadores e trabalhadoras, que eles deixam de comer”, acrescenta.
Como conter o preço dos alimentos
Também na entrevista, a diretora-técnica do Dieese explicou quais medidas seriam mais adequadas para o controle de preços de alimentos, sem impactos para o consumidor. Uma das formas é o governo federal comprar, em período de safra, parte da produção da agricultura familiar e oferecer ao mercado quando houver majoração excessiva nos preços, em determinadas épocas. São os chamaos ‘estoques reguladores’.
Desta forma, no período de entressafra, de produção menor, os preços dos alimentos não sofrem grandes reajustes nos supermercados em função da oferta menor e da demanda maior. A compra também evita que os preços de determinados produtos caiam excessivamente trazendo prejuízos aos produtores rurais.
Essa comercialização é feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que durante os governos petistas de Lula e Dilma, chegou a comercializar mais de R$ 1,5 bilhão. No entanto, nos governos seguintes de Michel Temer (MDB-SP) e Jair Bolsonaro (PL), a Conab parou de comprar e o estoque regulador praticamente zerou, o que permitiu que varejistas e donos de supermercados determinassem os preços dos alimentos de acordo com a oferta.
Adriana Marcolino explica que está é a forma mais justa e eficaz de se manter os preços de alimentos controlados e, ao mesmo tempo, garantindo a segurança alimentar no Brasil.
Outra forma, ela cita, é promover uma relação mais direta entre o produtor e consumidor, eliminando atravessadores que inflacionam os preços dos produtos.
Contra o social
A elevação da taxa de juros para conter a inflação foi um fenômeno mundial ainda durante a pandemia. Vários países adotaram a medida, no entanto, o Brasil adorou a medida antes dos demais países, e elevando a taxa rapidamente a patamares elevados.
Em 2023, com um novo governo, de Luiz Inácio Lula da Silva, os índices de crescimento, de controle da inflação e de geração de empregos foram positivos, o que, para a diretora-técnica do Dieese, já é motivo ‘mais que suficiente’ para reduzir a taxa, que hoje está estagnada em 10,5%
Por pressão dos mais diversos setores da sociedade como os trabalhadores, representados pela CUT e centrais sindicais, setores produtivos e o próprio governo, em maio de 2023, o Banco Central deu início a uma lenta e escalonada queda o que fez a taxa cair de 14,75% para os atuais 10.5%, o que ainda não permite que o Brasil possa ter um crescimento pleno. Mas em junho deste ano.
“O presidente do Banco Central resolveu parar a redução da taxa. Fica em 10.5% ao ano, uma das mais altas do mundo, porque nossa inflação está em menos de 4%. Ele diz que parou queda porque há risco fiscal, mas na verdade é pressão para que o governo corte gastos sociais”, diz Adriana Marcolino.
Política fiscal
Ainda na entrevista, Adriana Marcolino chama a atenção para a relação da taxa de juro alta com a meta fiscal do governo. Ela explica que se a taxa é alta, há redução do consumo já que o crédito e os preços ficam mais caros, a produção não cresce, o setor produtivo não investe e tudo isso impacta na arrecadação de impostos.
Ela explica que se instaura, portanto, um ciclo vicioso. “Juros altos são instrumento para que as pessoas não consumam, porque a taxa segura esse consumo. O crédito fica mais caro, as empresas não investem, a economia fica paralisada, as receitas não crescem, o país não investe em novos projetos e o Brasil não consegue garantir a meta fiscal”, ela diz.
Fonte: Redação CUT