Setor financeiro insiste que o governo deve reduzir gastos sociais, mas “ignora” os R$ 97 bi que deixaram de ser arrecadados para beneficiar empresas
Em mais uma jogada para fazer valer os interesses das grandes empresas e da elite, o mercado segue pressionando para que o governo federal faça um ajuste fiscal que corte do orçamento valores dedicados aos benefícios voltados aos mais vulneráveis e recursos de áreas essenciais como saúde e educação.
No entanto, nessa conta, feita pelos “analistas” da área e da grande mídia, ficam de fora aspectos como as astronômicas renúncias fiscais que, segundo a Receita Federal, somaram R$ 97,7 bilhões somente até agosto. De acordo com a Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), recentemente divulgada pelo Ministério da Fazenda, 54,9 mil empresas foram contempladas por 43 benefícios tributários.
Entre essas empresas estão gigantes que têm plena capacidade de operar de maneira lucrativa sem a ajuda do Estado — seguindo, aliás, a lógica defendida por eles mesmos e pelos que apostam na liberdade total do mercado e na livre concorrência.
Entre elas estão, por exemplo, a Braskem, que teve, à sua disposição, incentivos concedidos por meio do Reiq (Regime Especial da Indústria Química) no total de R$ 2,27 bilhões. Na sequência estão outras companhias de peso, como a Syngenta, com R$ 1,77 bilhão; a TAM, com R$ 1,70 bilhão e a Yara Brasil Fertilizantes, R$ 1,23 bilhão.
Na lista constam, ainda, a Azul Linhas Aéreas (R$ 1,04 bilhão); a Samsung (R$ 1 bilhão); a OCP Fertilizantes (R$ 975,9 milhões); a Basf (R$ 907,6 milhões), a Arcelormittal (R$ 801,9 milhões) e a Philco (R$ 730 milhões). A lista completa pode ser acessada aqui.
Quando a divisão é feita por tipo de benefício fiscal, adubos e fertilizantes levam a melhor, com quase R$ 15 bilhões. Já a desoneração da folha de pagamentos soma R$ 12,2 bilhões e o segmento de defensivos agropecuários somam R$ 10,7 bilhões.
O Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), criado para ajudar o setor durante a pandemia, soma 15 mil empresas e mais de R$ 9,6 bilhões. Neste âmbito, a iFood — empresa que faz parte de um dos ramos com condições de trabalho mais precarizadas — faturou R$ 336 milhões, seguida da Azul Linhas Aéreas, com R$ 303,7 milhões e a Enotel Hotel e Resorts, com R$ 171,5 milhões.
Cantilena financeira
A divulgação da lista de empresas beneficiadas foi feita em meio ao debate sobre o ajuste fiscal e a poucos dias da apresentação do pacote de cortes a ser feito pelo governo. A relação aponta que há muita gordura que pode ser queimada sem que isso atinja a população mais necessitada, os aposentados ou os usuários do Benefício de Prestação Continuada (BPC), bem como as políticas públicas mais importantes.
Também é nesse cenário que crescem as especulações e as “lições” por parte do mercado, cujos porta-vozes procuram ditar o que e quanto retirar (nunca deles, claro), usando da velha chantagem de que, a depender das medidas, o dólar vai disparar, a bolsa vai despencar e a credibilidade do país vai minar, como se não fossem eles mesmos os operadores desse sistema.
A possibilidade de corte nas isenções veio à tona juntamente com a dos gastos com a Defesa e com as emendas parlamentares. Para se ter uma ideia do montante destinado aos militares, de acordo com o Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO), em 2023 a União gastou R$ 26,6 bilhões com pensões de servidores das Forças Armadas e seus familiares — como as filhas solteiras, por exemplo. E outros R$ 32,2 bilhões foram gastos com salários de militares inativos, reformados ou na reserva. No caso das emendas parlamentares, somados todos os tipos, a União teve de destinar em 2024 mais de R$ 50 bilhões.
“Se eu fizer um corte de gastos para diminuir a capacidade de investimento do Orçamento, o Congresso vai aceitar reduzir as emendas de deputados e senadores para contribuir com o ajuste fiscal que vou fazer? Porque não é só tirar do orçamento do governo. Os empresários que vivem de subsídio do governo vão aceitar abrir mão um pouco de subsídio para a gente poder equilibrar a economia brasileira? Vão aceitar? Eu não sei se vão aceitar”, provocou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista recente.
Neste mesmo sentido, uma das vozes mais ativas na luta contra cortes sociais é a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que tem alertado para a contradição estabelecida quando o assunto é ajuste fiscal. “É impressionante a pressão brutal que é feita pelo setor financeiro deste país — e que é sustentado por muitas análises e discussões da mídia brasileira — da necessidade de corte de gastos para que haja equilíbrio fiscal”, declarou na Tribuna da Câmara.
Ela continuou apontando para a injustiça dos que defendem reduzir recursos voltados para benefícios e áreas sociais, bem como para direitos trabalhistas, para preservar privilégios e uma política monetária, ditada pelo Banco Central autônomo, avessa ao desenvolvimento nacional.
“Fico me perguntando porque o debate na mídia não é sobre o tamanho dos juros. Hoje, essa taxa leva quase R$ 1 trilhão do orçamento brasileiro”, disse. E completou: “O segundo ponto é porque o BPC tem que contribuir com o ajuste fiscal e não as isenções dadas a vários setores econômicos desse país? Isenção no agro, na folha salarial, desonerações de todo tipo…isso também não se discute. E também não se discute lucros e dividendos pagando tributos”.
Vale lembrar que Medida Provisória (MP) editada pelo governo no ano passado, com o objetivo de reverter, de forma gradual, o desconto integral de tributos previdenciários concedido a empresas sofreu um revés no Congresso. E, para conseguir estabelecer a cobrança, o governo teve que recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Somente após uma decisão favorável da Corte, seguida de um acordo entre governo e Congresso, é que o fim da desoneração foi confirmado para entrar em vigor a partir do ano que vem.
Em entrevista à emissora CNBC, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resumiu bem o problema da isenção: “Precisamos fazer com que a despesa cresça num ritmo moderado e que a receita seja recomposta. Perdemos muita receita dando incentivo para empresário e, muitas vezes, não vem nada em troca. Dar todo esse subsídio, às vezes, não faz sentido”.
Fonte: Vermelho