No Brasil, termo ganha complexidade em camadas mais pobres da população
Roziclea Mota Tavares, 52, se vê diante de três desafios todos os dias: as tarefas domésticas, cuidados com a filha adolescente, e com a sogra de 102 anos que é acamada. Ela está entre duas gerações, uma mais nova e outra mais velha, que dependem simultaneamente dela.
Além do trabalho doméstico, ela é professora de educação infantil, com alunos de 1 a 2 anos, que também necessitam de cuidados. Durante o dia, a sogra fica com uma cuidadora, que vai embora quando ela chega do trabalho.
Tavares faz parte de um grupo chamado de geração sanduíche, composto em sua maioria por mulheres com 40 a 60 anos. Elas estão esmagadas por duas bandas que necessitam de cuidados físicos e até financeiros.
A expressão geração sanduíche é conhecida internacionalmente. Uma pesquisa do centro Pew, dos Estados Unidos, mostrou que metade dos americanos de 40 anos estão “ensanduichados”.
No Brasil, o termo ganha outros contornos. É o que diz Simone Wajnman, professora e pesquisadora do departamento de demografia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do Cedeplar/UFMG.
As mulheres da geração sanduíche foram tema da pesquisa de Jordana Cristina de Jesus, coordenadora do Grupo de Trabalho População e Gênero da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, com orientação de Wajnman, em 2016. Elas se propuseram a entender como o fenômeno aparecia no Brasil.
Por causa da dinâmica demográfica no Brasil, as pesquisadoras tiveram dificuldade para encontrar mulheres “geração sanduíche”.
“Como a idade média da maternidade do Brasil é muito nova, essas mulheres têm filhos pequenos quando os pais ainda não estão dando trabalho”, afirma a pesquisadora. “Os pais começam a dar trabalho quando em média essas mulheres já têm netos.” Wajnman diz que é um sanduíche mais complexo e por isso a geração é chamada de panqueca.
Heloísa Coutinho, 60, está enrolada em uma delas. Ela tem três filhos adultos, que demandam algum tipo de cuidado, e dois netos —o terceiro está à caminho. Também é casada e tem uma mãe de 98 anos, que não mora com ela, mas a quem sempre ajuda e busca estar perto.
Além de ela mesma ser parte da geração sanduíche, Coutinho é psicóloga e escuta relatos de outras pessoas incluídas no grupo. Atende em seu consultório muitos cuidadores, como avós, pais, babás.
“É um tema com o qual eu lido no meu dia a dia, tanto pessoal quanto profissional, com pacientes adultos que trazem essa questão dos filhos crescidos e do envelhecimento dos pais”, afirma.
Ela conta que, antes de ter netos, sentia que estava podendo cuidar mais de si e fazer os seus programas. Quando eles nasceram, Coutinho viu a demanda retornar. “Eles precisam de mim, mas eu também desejo estar junto”, diz. “Você se vê envolvida por vontade e amor nesse cuidado”.
Wajnman afirma que o cuidado, além do laço familiar, surge também pela necessidade da dinâmica social. “Essas mães se sentem compelidas a dividir com os filhos a responsabilidade de cuidar dos netos porque esses filhos estão entrando no mercado de trabalho e têm inúmeras dificuldades para se inserir nele. Tem problemas de renda e por isso essas avós são chamadas para cuidar das crianças”, diz. Para ela essa é a “tempestade perfeita”.
Além de as características físicas, emocionais, e de tempo do cuidado, há também a material, que envolve dinheiro para arcar com remédio, alimentação e moradia. “A gente precisa alargar esse conceito, principalmente no Brasil, e incluir uma demanda de recursos financeiros”, diz Wajnman.
Segundo ela, a situação é mais grave entre a população mais pobre, com mulheres de baixa escolaridade, que não têm trabalho bem remunerado. “Elas percebem que são mais úteis em casa cuidando do pão que está em cima e do pão que está embaixo do que no trabalho”.
O relatório “Esgotadas”, da ONG Think Olga, apresentado em reportagem da Folha, mostrou que as brasileiras se sentem esgotadas, ansiosas, tristes e estressadas, muito por conta dessa pressão familiar e financeira.
Tavares, a professora infantil, conta que em momentos difíceis se pergunta quando vai ter uma trégua. “Eu e meu esposo até chegamos a cogitar em uma separação. Achei que aquilo era muito para mim”, diz.
Quando recebeu o diagnóstico de câncer de mama, em 2013, ela percebeu que não podia ser uma “mulher-maravilha” e dar conta de tudo.
A tendência, com o envelhecimento da população, é ter um aumento da “geração sanduíche”, segundo Wajnman. Pessoas de 65 anos ou mais já representam 10,9% do total de habitantes no país.
Os cuidados de idosos com doenças limitadoras, na maioria dos casos, ficam a cargo das famílias, afirma a pesquisadora. “Normalmente, quando isso acontece, a responsabilidade recai principalmente sobre as mulheres.”
O cuidado, para ela, não deveria ficar somente com os familiares. “Nós não temos um sistema de cuidados, não é a nossa tradição e estamos trabalhando nisso agora”, afirma a pesquisadora, que está envolvida em uma Política Nacional de Cuidados voltada para os idosos.
Para Heloisa Coutinho, o que resta a essas mulheres é saber os próprios limites, as redes de apoio e saber dizer não. “Se eu não cuido de mim, como é que eu cuido do outro?”, questiona.
Já Tavares encontrou seu escape na música e na dança. Ela aproveita os finais de semana para fazer karaokê em casa e passear com a filha.
“É muito interessante ver como essas gerações, ao mesmo tempo que cuidam, estão construindo novas vidas”, afirma Mirian Goldenberg, antropóloga que pesquisa desde 2015 famílias com homens e mulheres acima dos 90 anos ativos e independentes.
“É uma geração que está com pouco tempo para cuidar de si, mas, ao mesmo tempo, está construindo uma nova maturidade, uma revolução, principalmente para as mulheres”, diz.
Fonte: Folha de São Paulo