Em 2022, mulheres negras dedicaram 1,6 hora a mais por semana a afazeres domésticos e cuidados de pessoas do que as brancas
Nesta quinta-feira, 25 de julho, é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Mais do que inspirar celebrações, a data é um marco importante para refletir sobre as desigualdades e opressões sofridas por essas mulheres e também reconhecer suas lutas.
O Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, quando aconteceu o 1º Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas.
No Brasil, A Lei 12.987, de 2014, estabeleceu que também no dia 25 de julho seria celebrado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no Brasil. Tereza de Benguela foi líder do Quilombo Quariterê, localizado na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Chamada de “rainha”, ela coordenava as atividades políticas e econômicas do Quilombo e esteve à frente da luta contra a escravidão, entrando para a História como um símbolo da resistência do povo negro.
Mulheres negras estão na base da pirâmide social no Brasil. Isto é, quando o assunto é acesso a oportunidades seja no mercado de trabalho, níveis de escolarização, exposição a violências de diferentes ordens e representatividade política, elas são acometidas pelos piores indicadores.
Reflexo da misoginia e racismo ou do “duplo nó”, conforme anunciado pela intelectual, liderança do movimento negro no Brasil Lélia Gonzalez, diversas pesquisas evidenciam a exclusão que tem atravessado décadas.
Neste bojo, levantamento intitulado “Estatísticas do Gênero”, desenvolvido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) identificou que em 2022, mulheres dedicaram quase o dobro de tempo que os homens aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos. Essas tarefas consumiram 21,3 horas semanais delas contra 11,7 horas deles.
A antropóloga Rosane Lacerda indica que a desigualdade não é uma especificidade do Brasil. De acordo com ela, atividades domésticas e de cuidado são historicamente atribuídas às mulheres.
“Embora a participação da mulher no mercado de trabalho tenha crescido, ainda temos a compreensão de que ela é a principal responsável pela organização do ambiente privado, doméstico. Esta noção está assentada no ideal hegemônico de feminilidade que associa à mulher ao cuidado de espaços e pessoas. Na prática, o que acontece é que mulheres são submetidas a ainda mais sobrecarga de trabalho”, diz.
Porém, a desigualdade torna-se ainda maior quando o olhar é lançado para a realidade de mulheres negras no país. Estas gastaram 1,6 hora a mais por semana em atividades domésticas e de cuidado do que as brancas.
A pesquisadora ressalta a persistência das desigualdades intragênero, ou seja, entre mulheres, ressalta a necessidade dos feminismos negros cuja atenção é voltada, especificamente, para a realidade das mulheres negras, considerando as múltiplas opressões as quais estão submetidas.
“Não se trata de criar hierarquizações, mas desenvolver um olhar mais aprofundado e cuidadoso sobre as condições de vida das mulheres negras que são ainda mais vulnerabilizadas do que as brancas, seja nos índices de violência, inserção no mercado de trabalho, meios de comunicação, espaço no qual ainda são minoria e quando aparecem são estigmatizadas, majoritariamente, em papeis de subalternidade, com menor prestígio social. Há uma exploração do corpo da mulher negra que é abordado de maneira hipersexualizada”, explica.
A diferença de horas atribuída por mulheres brancas e negras ao trabalho doméstico aumentou desde 2016, início da série histórica.
Quanto menor o rendimento, maior a carga horária
Ainda, mulheres pertencentes a classes sociais mais baixas tendem a gastar mais tempo às tarefas domésticas. O estudo identificou ao menos 7,3 horas a mais de dedicação aos trabalhos domésticos entre as 20% com menores rendimentos do que as que estavam nos 20% com maiores rendimentos.
A maior carga horária voltada às atividades domésticas tem impactado na inserção do mercado de trabalho. Ainda que sejam mais da metade das pessoas em idade de trabalhar, a taxa de participação delas na força de trabalho foi de 53,3%, enquanto a dos homens era de 73,2%, o que representa uma diferença de 19,9 pontos percentuais.
No período, cerca de 23% das mulheres de 15 a 24 anos não estavam em treinamento, ocupadas ou buscando trabalho. A proporção era maior entre mulheres negras: 26,6%. Já no total de homens da mesma faixa etária, esse número era de 14,6%.
Também com base no mapeamento, em 2022, 28% das mulheres ocupadas trabalhavam em tempo parcial (até 30 horas semanais) enquanto essa proporção era de 14,4% entre os homens.
Informalidade
Outro dado importante revelado pela pesquisa diz respeito à informalidade, ou seja, contingente de trabalhadores sem acesso a direitos. Em 2022, aproximadamente 39,6% das mulheres estavam nesta condição, sendo que entre mulheres negras, a taxa crescia para 45,4%. Isto quer dizer que quase a metade destas trabalhadores não possuíam nenhum tipo de seguridade.
Por outro lado, homens representavam 37,6% dos trabalhadores desprotegidos no país. Entre homens brancos, o percentual diminuía para 30,7%.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.