Uma pesquisa divulgada nesta quarta-feira (27) revela que a maior parte das organizações de combate ao racismo e pelos direitos das pessoas negras no Brasil é liderada por mulheres. Apesar da relevância do trabalho, a falta de acesso a recursos econômicos é realidade para mais da metade das iniciativas mapeadas.
O estudo, realizado pelo Fundo Agbara e pelo Núcleo de Pesquisa e Memória da Mulher Negra (Nupemm), mostra um cenário de crescimento e potencialização do protagonismo feminino, mas com desafios financeiros e estruturais persistentes.
Entre as 834 organizações avaliadas pelo levantamento, 89,2% são lideradas por mulheres. Em mais de 82% dos casos, elas conciliam a maternidade com o trabalho de organização popular.
A pesquisa relaciona a liderança feminina nesses espaços com uma visão de mundo e de transformação social oriunda da cultura africana e profundamente conectada a uma cosmovisão de transformação social.
De acordo com o relatório, é necessária uma reflexão sobre a filantropia no Brasil para romper a lógica racista estrutural e histórica, que permeia diversos aspectos da vida social do país.
“Significa romper com práticas da branquitude e vícios coloniais que ignoram as desigualdades raciais e adotar uma postura ativa na redistribuição de recursos e no fortalecimento de lideranças negras. Esse movimento é um passo em direção à reparação histórica, além de uma estratégia essencial para a construção de uma sociedade mais equitativa e democrática”, destaca o estudo.
Ainda de acordo com os dados compilados, quase 60% dessas organizações operam com um orçamento anual inferior a R$ 5 mil. No lançamento do estudo, a coordenadora da pesquisa, Iracema Souza, afirmou que as organizações estão à margem do acesso a recursos.
“O que concluímos sobre o investimento social privado e a filantropia reflete a forma como o racismo tem operado em campo. O não reconhecimento do ator político dessas organizações e o não reconhecimento dessas organizações no financiamento. A elas é relegado o papel de beneficiárias.”
As organizações negras mapeadas pela pesquisa atuam majoritariamente em regiões marcadas pela vulnerabilidade social. Comunidades quilombolas (42,6%) e espaços de matriz africana (37,6%) concentram a maioria dessas iniciativas.
“É interessante a questão do território e de como elas estão baseadas nos territórios vulnerabilizados, que sofrem constantemente com a negligência de direitos. Elas estão trabalhando pelo bem viver.”
Burocracia e falta de diálogo
A pesquisa identificou os principais obstáculos que impedem o acesso a financiamento. A burocracia dos editais foi apontada por 79,5% das organizações, e a falta de diálogo com empresas financiadoras por 71,2%.
Além disso, o estudo aponta que organizações negras enfrentam múltiplos desafios de gestão. A captação de recursos foi citada em 89,1% dos casos, devido à dificuldade de acesso a financiamentos e à complexidade de editais e documentação.
Outro entrave é a produção e escrita de projetos, mencionada por 56,5% das organizações. Também aparecem como dificuldades a carência de planejamento estratégico (48,3%) e a dificuldade em mapear editais relevantes (47,8%.)
Diante desse cenário, a pesquisa defende a implementação de mudanças estruturais para fortalecer as organizações negras e democratizar o acesso a recursos. A flexibilização dos critérios de financiamento, a priorização de territórios periféricos e a criação de mecanismos de suporte técnico e jurídico são medidas essenciais para que essas instituições possam alcançar seu pleno potencial.
“Reafirma-se a urgência de romper com estruturas que perpetuam desigualdades raciais e de gênero no campo da filantropia e do investimento social privado, uma vez que o dinheiro não chega nas mãos das organizações negras e mantém a lógica de exclusão e desigualdades”, alerta o estudo.
Fonte: Brasil de Fato