Estratégia expulsa alunos(as) que enfrentam mais dificuldades para concluir os estudos, ao mesmo tempo que manipula o Ideb e favorece imagem pessoal do governador
Rafael Baez Arrua, 18 anos, é estudante do ensino noturno no Colégio Estadual Décio Dossi, em Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. Durante o dia ele trabalha e o seu salário é a única renda para pagar as contas e a alimentação da casa onde mora com o irmão, que está desempregado.
O jovem estuda o 2º ano do ensino médio e sonha entrar na universidade para cursar Direito. Mas, nos últimos dias, uma notícia trouxe medo e angústia para os seus planos e de quase 8 mil jovens da rede estadual do Paraná que estudam no período da noite para poder trabalhar.
Isso porque o governo Ratinho Jr. anunciou a abertura de um novo processo para militarizar mais 127 escolas em todo o estado, incluindo o Décio Dossi. Caso a medida avance, todas as turmas do ensino noturno serão automaticamente encerradas nos estabelecimentos em que a comunidade escolar acatar o fim da gestão escolar democrática.
“Eu já perdi um ano do ensino médio por conta da pandemia e a possibilidade de não ter onde estudar no ano que vem me deixou muito ansioso, porque eu trabalho até às seis da tarde e quase me atraso para entrar na escola”, conta o estudante.
Segundo o jovem, outros colégios que ofertam o ensino noturno ficam distantes e, mesmo em caso de transferência, ele chegaria atrasado até para o início da segunda aula. Com a situação, Rafael passou a considerar a condição de parar de estudar como uma possibilidade real para o próximo ano.
“A importância do meu trabalho e da minha renda influenciam diretamente na minha sobrevivência. Eu moro apenas com o meu irmão, e ele está desempregado. Praticamente toda a minha renda é usada para manter a minha casa, em contas e alimentação”, explica.
Infelizmente, a história do Rafael está longe de ser um caso isolado. Segundo ele, outros(as) colegas de turma também enfrentam a dura jornada de trabalho e estudo para sobreviver e sonhar com um futuro melhor.
Dos 1.285 alunos do colégio onde ele estuda, 314 (24% do total) estão matriculados à noite, segundo o Censo Escolar 2022. “Como exemplo, tem outros alunos da minha sala que vem direto do trabalho pra escola e muitas vezes só se alimentam quando chegam no colégio”, diz.
Manipulação do Ideb
Uma análise de dados do Ministério da Educação (MEC) sobre números da rede estadual de educação do Paraná confirma denúncias da APP-Sindicato e ajuda a explicar porque o governo Ratinho Jr. tem insistido na estratégia de militarização de escolas.
O estudo, realizado pelo Jornal Plural e divulgado na última quinta-feira (16), revela uma combinação de manipulação contábil, exclusão social e desmonte da educação pública para fabricar o slogan de estado com o “melhor Ideb do Brasil” no Ensino Médio.
Ao encerrar a gestão democrática e adotar a militarizada, a Secretaria da Educação (Seed) fecha as turmas do ensino noturno, expulsando das escolas os(as) estudantes que, por enfrentarem mais dificuldades para concluir os estudos, registram menores índices de frequência e aprovação.
De acordo com o Plural, o governo Ratinho Jr. já fechou 76,8 mil vagas de ensino noturno no estado, sendo 13 mil só nas 207 escolas que já foram militarizadas. Eliminando esses(as) estudantes, o índice de rendimento, um dos itens utilizados pelo MEC para calcular a nota do Ideb, passou de 0,82 em 2017 para 0,96 em 2021, destaca a reportagem.
Mas, segundo o jornal, esse foi o único avanço significativo observado nos indicadores, já que os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que avaliam o aprendizado de Matemática e Língua Portuguesa, mostram que desde 2005 as escolas estaduais de Ensino Médio se mantiveram no mesmo patamar.
Ou seja, ao invés de implementar políticas públicas para melhorar as condições de aprendizagem e de permanência dos estudantes trabalhadores(as), a gestão de Ratinho Jr. escolheu aprofundar um problema social em troca de indicadores manipulados para usar na propaganda oficial e que favorecem a imagem pessoal do governador.
Exclusão de estudantes
Considerando o Censo Escolar 2022, entre as escolas ameaçadas pela militarização há unidades onde até 45% dos(as) estudantes podem ter suas matrículas encerradas. É o caso do Colégio Estadual José de Mattos Leão, no município de São João do Ivaí, localizado a 100 km de Maringá. Dos(as) 143 alunos(as) do estabelecimento, quase a metade, 64, frequentam o período noturno.
Ainda em números percentuais, outro colégio que pode ser bastante afetado é o Nobrega da Cunha, de Bandeirantes, distante 100km de Londrina. Caso a comunidade escolar não evite a militarização, a partir do próximo ano a escola vai extinguir 283 das 697 matrículas, o que corresponde a 41% do total. Dos colégios ameaçados, esse é o que possui maior número de estudantes com 18 anos ou mais.
Já em números absolutos, o estrago do modelo cívico-militar pode ser mais forte nos colégios Juscelino Kubitschek de Oliveira, de Foz do Iguaçu, e Décio Dossi, de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. O primeiro perde 346 (29%) matrículas do ensino noturno e o segundo 314 (24%). Em outros 26 estabelecimentos, a quantidade de estudantes que poderá ser prejudicada também é grande, variando entre 100 e 283 por escola.
A militarização também proíbe a oferta da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Com isso, 2.277 matrículas dessa modalidade estão sob a ameaça de serem fechadas. A APP teve acesso à base de dados, que reúne números do Censo Escolar das 127 escolas. Juntas, as unidades possuem mais de 90 mil matrículas. Desse total, mais de 6 mil alunos(as) têm 18 anos ou mais.
Escola não é quartel
O Programa de Escolas Cívico-Militares (Pecim) foi adotado em cerca de 200 escolas estaduais no primeiro mandato do governo Ratinho Jr. Até hoje, não há notícia de resultados positivos.
Pelo contrário, as escolas se notabilizaram por graves episódios de violência contra menores, abuso de autoridade e corrosão da gestão democrática. Trata-se de um modelo falido, ultrapassado e cuja única sustentação é ideológica.
Além do ensino noturno e da EJA, a militarização representa o fim de cursos técnicos. A direção deixa de ser eleita pela comunidade e passa a ser indicada pelo governo. Estudantes devem aderir a normas arbitrárias, como cortes de cabelo específicos e outras proibições.
A escola perde sua identidade e não recebe qualquer recurso a mais, exceto pela gorda gratificação embolsada pelos militares aposentados(as), de R$ 5,5 mil, maior do que o piso dos(as) professores(as) e o suficiente para pagar o salário básico de quatro funcionários(as) (Agentes I). É o maior cabide de emprego para militares aposentados(as) do Brasil.
Ministério Público
A APP repudia com veemência a ampliação deste programa ineficaz e autoritário, que viola princípios constitucionais e não existe na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O Sindicato está organizando ações de comunicação e mobilização em todas as cidades para evitar este enorme retrocesso na luta por uma educação pública de qualidade, democrática e humanizada.
Em petição enviada ao Ministério Público do Paraná (MPPR), a Secretaria de Assuntos Jurídicos do Sindicato pediu a suspensão do processo. O documento mostra que as consultas às comunidades escolares estão sendo feitas de maneira apressada, para impedir o debate democrático sobre a militarização.
O Sindicato pede também a instauração de procedimento para averiguar ilegalidades no ato e na legislação estadual que trata da implantação de colégios cívico-militares, suspensa pelo governo federal, mas mantida pelo governo do Paraná.
Fonte: APP Sindicato