Quase tudo o que sabemos hoje sobre riscos de termos doenças cardíacas e circulatórias vem de um estudo iniciado em 1948, na cidade norte americana de Framighan. O trabalho, sob orientação da Universidade de Boston, começou a iluminar as causas das doenças cardiovasculares, até então desconhecidas.
Com metas ambiciosas, os pesquisadores cadastraram 5029 moradores, que foram submetidos a questionários, exames clínicos, laboratoriais e se comprometeram a retornar de dois em dois anos para atualizar seus dados. Começava então a impressionante descoberta da relação entre hábitos de vida e doenças do coração, baseada em métodos científicos e apoio estatístico.
E mais, acompanhamento de longo prazo da vida dessas pessoas, com registros de tudo o que faziam. A computação dos dados avançou até seus descendentes (hoje na terceira geração), que permitiu uma visão ampla e num tempo estendido com todas as variáveis.
Foi no começo dos anos 60, com a publicação dos resultados mais robustos, que se estabeleceu, por exemplo, que o consumo excessivo de gordura saturada aumentava o risco de infarto miocárdico. Gorduras saturadas são aquelas que na temperatura ambiente ficam sólidas, ao contrário das poli insaturadas que permanecem líquidas.
Gorduras saturadas estão nos alimentos de origem animal (carnes gordas e laticínios). As poli insaturadas procedem de óleos vegetais e de alguns peixes de água fria. Estabeleceu-se também que a falta de atividade física aumentava o risco cardíaco. E começamos a entender que a pressão alta causava danos graves ao sistema circulatório, sendo um fator importante nos AVCs. Mais que isso, entendemos que o consumo excessivo de sal e tornar-se obeso levavam à hipertensão arterial.
Foi ainda nessa pesquisa que se viu uma relação de causa efeito entre o tabagismo e doença cardíaca. Enfim, delineou-se o que chamamos hoje Fatores de Risco para doenças do coração.
O conceito de risco, hoje amplamente divulgado, nos auxilia a orientar nosso dia a dia, ainda que não seja fácil, para uma vida saudável.
Não deixa de ser interessante notar que muitos dos hábitos prejudiciais à saúde tem suas causas no conforto da vida atual. Que se expandiu no final do século XIX. A substituição do trabalho muscular por máquinas, a oferta de alimentos industrializados (geralmente ricos em carboidratos e com alto teor de sódio), a urbanização acelerada e a vida sedentária nas cidades.
Com essas informações epidemiológicas os sistemas públicos de saúde puderam orientar suas políticas de prevenção e cuidados. Ao longo desses setenta e cinco anos melhoraram a vida e/ou evitaram a morte de milhões de pessoas. O desafio, no entanto, é grande. No Brasil, país de extremos, convivem a fome de um lado e a obesidade de outro. Como vemos, em estatísticas confiáveis, mais de cinquenta por cento da população brasileira tem sobrepeso e a consequente explosão de casos de diabetes e hipertensão arterial.
Em outras palavras quando se fala em saúde coletiva, o dia fácil não existe!
Texto: Dr. Marco Antônio Fabiani, cardiologista