Leio, em toda mídia digital que costumo visitar, que o deputado federal eduardo bolsonaro, em evento armamentista (desses que a extrema direita tupiniquim ama com fervor) disse que um professor doutrinador é pior que um traficante.
Vou desenhar para que a completude da fala do parlamentar não me atropele no alcance (nocivo e medonhamente triste): o deputado federal comparou (à menor) um professor à um traficante.
Sou filho de uma maravilhosa professora (mãe eu te amo). Não posso e não vou deixar barato.
Minha mãe ensinou que, antes de falar, devemos conhecer o tema discorrido, para que nossas palavras não se percam ao vento. Pior: para que não saia de nossa boca um impropério monumental, destes que são impossíveis o tempo varrer.
Deveras, ao colocar na balança da comparação o professor com o traficante, o deputado atingiu o Nirvana da ignorância, naquilo que aproximando o maior de nossos bastiões (professor) à maior de nossas chagas (traficante), o parlamentar assume sua confusão valorativa, ao tempo em que põe em evidência seus métodos e a escuridão de suas ideias.
Não há nada mais nobre que ensinar. Veja você, esculapiário, que se imagina a última bolacha do pacote. Saiba que sua profissão pode, sim, estar no fardo, mas o derradeiro biscoito será seu professor – afinal, foi Ele a lhe conduzir pela estrada da sabença na busca do cálice sagrado do conhecimento. Ademais, você só jurou Hipócrates porque teve professores a conduzi-lo pelo caminho da sabença.
Ao aproximar o que não se mistura (professor e traficante) o deputado muge para seu gado e as reses lhe acenam (com palmas) de volta, verberando desencontrada sinfonia acéfala, naquilo que na ausência de valor do argumento, seu narrador colhe da fala um ecrã particular, cujo elo com a realidade é nenhum – o que não impede sua palavra (desligada de um mínimo ético e adornada pela odiosa imagem que dessume) projetar no inconsciente coletivo de seus seguidores o desvalor do traficante no imenso valor do professor.
É dizer: a fala mentirosa e profundamente infeliz do deputado, pela insignificância da visão de mundo que espraia, a um só tempo valoriza o traficante e desvaloriza o professor – e é esse o ponto que a narrativa medíocre buscou.
Antes que algum pastor neopentecostal (destes que me tem em alta conta) se apresse dizer que a fala do deputado não foi em desfavor dos professores e sim de ‘professor doutrinador’ (termo que o deputado bolsonaro usa na fala em comento), bom lembrar que não existe professor que não seja doutrinador, naquilo que as palavras além de sinônimas, são autoexplicativas, suposto que enquanto doutrinar é a missão do professor, professorar ensinando segue sendo a quintessência do doutrinador.
Além do que a doutrina sempre foi o elemento de constituição da própria educação, porquanto a pedagogia se estabelece (em sua plenitude), quando os oprimidos pela elite econômica tomam contato com seus direitos. Ensinar é, portanto, sinônimo de doutrinar para libertar.
Paulo Freire baby. Paulo Freire…
Haverá, todavia, aquele pastor neopentecostal para o qual pregar não vai além de fazer colidir com o martelo, o prego. Esse monumento negacionista do desvalor, além de atacar minorias, é pródigo em negar que o conhecimento liberta, naquilo que sua fortuna pessoal depende de escravos intelectuais comprometidos com o dízimo e desligados do conhecimento.
Professores são, via de regra, a cola que dá liga às relações, suposto que o ato de ensinar reclama paciência para aprender e grandeza suficiente na partilha do conhecimento.
Traficantes não poderiam estar na mesma equação que professores, a não ser em uma narrativa posta por alguém que desconheça valores e caminhe desencantado da vida.
A visão de mundo do deputado revela um olhar opaco para o próximo, naquilo que vê na aquisição de conhecimento uma dificuldade. Mas qual dificuldade deputado? Não quero crer (ainda que bote muita fé!) que seja na arregimentação de escravos de pensamentos, cujo elemento comum é a conexão pela ignorância.
Assim, quando ativados pela liga da ignorância, os beócios respondem à mecanismos de despertar – uma fala que aloca professor e traficante num mesmo contexto é um gatilho que arregimenta de gado à idiota útil.
Arregimentados os ignaros, o monstro da violência emerge da lagoa do desconhecimento, chocando no ovo da serpente a somatória de circunstâncias espraiadas pelo caminho desviante que a criador de narrativas mentirosas espraia pela vida.
O conhecimento, que o professor doutrinador distribui, sempre será a pedra de tropeço de quem busca no ódio o caminho da ascensão econômica, onde o escalada social sempre é um fator de exploração.
De empatia e grandeza de espírito essa gente é vazia.
Para além de minha amada mãe, lembro de tantos professores que me conduziram pelo caminho. Seria injusto apontar qualquer deles, mas por todos menciono Agnaldo Kupper, professor dos meus filhos, no fabuloso Ateneu. Trabalhei com Agnaldo no colégio Canadá, no início dos anos 80, quando eu era estudante na UEL – ele também. Ele lecionava enquanto eu tentava parecer um professor.
Agnaldo tem em sua conta um extraordinário portfólio de realizações na área do ensino. É, de longe, na arte de ensinar, uma das pessoas mais capacitadas que conheci ao longo de minha vida. Devo a Agnaldo muito da formação de meus filhos e isso além de não ter preço (suposto que não se precifica uma opção de vida fincada em empatia e na busca de repartir o conhecimento) lhe envolve a alma, acomodando as próprias dúvidas que existir conjuga.
Ao ver o professor Agnaldo alocado na mesma balança que pesa um traficante me vem à mente a medida com que calibraram a balança, naquilo que a narrativa sugerida na fala do deputado é deletéria cultural da humanidade – além de criminosa.
Não haverá país algum se seguirmos permitindo a mentira em lugar da verdade, suposto que sempre aparecerá alguém vazio, sem conhecimento algum, disposto a sustentar a tese da própria imbecilidade.
Por vezes esse biltre rasgará uma placa com nome de uma rua.
Em outras situações ele lembrará ao mundo que não é coveiro para ser perguntado (enquanto mandatário maior do país) sobre os milhares de mortes pela pandemia de Covid19. Por fim, chegará ao disparate de sustentar, entre seu rebanho, a grandeza de uma ditadura, apologizando torturador e dizendo de uma mulher que ela não merece ser estuprada por seus dotes físicos.
Nesse dia espero que os interlocutores dessa enxurrada de narrativas maledicentes, criminosas e idiotizantes, tenham sido alunos de alguém minimamente parecido com Agnaldo Kupper. Assim será mais fácil não mugir de volta e se levantar, deixando a grama aos que se alimentam do pasto mal dormido!
Neofascistas são aqueles que sem conhecimento histórico mínimo e sem qualquer valor agregado à civilização, conquistam pelo medo. Por isso posam de violentos e arrostam a própria ignorância. Não passarão: a história e os professores os impedirão, como tem sido através dos tempos.
Saúdo, pois, a todo doutrinador. Vocês são imprescindíveis. Obrigado Agnaldo, você é phoda! Mãe, eu sempre te amarei.
João dos Santos Gomes Filho
Para o Canto do Locco
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.