Brasil busca assumir liderança global durante sede do G20, com movimentos em defesa do Brics e para pautar agenda social
Em agosto do ano passado ficou acordado que, pela primeira vez, o Brasil assumiria a presidência do G20, grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, além dos blocos da União Europeia e da União Africana. Com isso, o país também irá sediar mais de 100 reuniões oficiais do grupo e a reunião da cúpula do G20, nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.
Os mandatos são rotativos entre as nações integrantes da cúpula – a troca é feita em um ato simbólico, por meio da entrega de um martelo de madeira entre os chefes de Estado. O Brasil preside o G20 de 1º de dezembro de 2023 até 30 de novembro de 2024.
Mas qual é o impacto concreto da presidência? O Brasil conseguirá pautar temas e acumular ganhos econômicos internacionais? Para o professor Vladimir Feijó, doutor em Direito Internacional pela PUC de Minas Gerais, a resposta é positiva.
“O país-sede consegue pautar temas do encontro e, sobretudo, atrair a atenção da comunidade internacional, dando visibilidade para suas demandas. Além dessa presidência inédita, o Brasil tem na figura de Lula, um chefe de Estado que goza de prestígio internacional, com potencial para avançar em suas posições de um integrante fixo do conselho de segurança da ONU, que é uma demanda histórica do país no cenário global”, avalia.
Oficialmente, o Brasil definiu três eixos de atuação durante o período de mandato na presidência do G20: combate à fome, à pobreza e a desigualdade; as três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental) e a reforma da governança global.
“São pautas escolhidas a dedo, pois o Brasil já tem uma liderança reconhecida nessas áreas, o que garante respaldo para tratar desses temas durante sua presidência. É uma oportunidade de o país se colocar como um player internacional liderando essas discussões, que também são urgentes no mundo”, completa Feijó.
Liderança compartilhada, Brics e defesa da Rússia
O professor Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), pondera, entretanto, que a presidência do G20 não é isolada.
Por meio de um sistema chamado “troika”, o país que antecedeu a atual presidência (nesse caso, a Índia) e o que o sucederá (a África do Sul) participam ativamente da agenda organizada pelo Brasil.
“Por esse instrumento, o país-sede sempre tem uma autonomia relativa e deve dar uma continuidade às discussões anteriores. No entanto, nesse caso aqui, há uma configuração interessante, pois, tanto Brasil, Índia quanto África do Sul são integrantes do Brics. Isso fortalece que elaborem pautas conjuntas que toquem em interesses comuns do bloco”, diz Menezes, que coordena o Grupo de Reflexão sobre o G20 no Brasil, da UNB.
O Brics é um bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – os cinco maiores países de economia emergente no mundo. A sigla é uma referência, em inglês, às iniciais de cada país. Ao todo, eles representam 23% do PIB global e 42% da população mundial.
“Uma das pautas do Brics é discutir a representatividade da União Europeia no FMI, pedindo maior participação dos países emergentes no fundo”, diz Menezes.
Apesar de ser um espaço que reúne os principais chefes de estado do mundo, o G20 não é um fórum de decisões vinculantes, que impõe sanções a outros países – sejam integrantes do bloco ou não. Ao fim da cúpula, há a elaboração de um documento final com sinalizações e compromissos assumidos.
“Países como o Brasil têm atuado no G20 para reformar os espaços de governança global com poder de decisão, como o Conselho de Segurança da ONU ou o FMI. O G20, então, funciona como um espaço de diplomacia para angariar apoios nesse sentido, mas há disputas com outras forças que pretendem manter o status quo”, pontua o professor da UNB.
Outro tema que pode aparecer de forma enfática na reunião entre os líderes do G20 é uma crítica às sanções econômicas contra a Rússia, pela guerra contra a Ucrânia, iniciada em 2022.
“O presidente Lula tem feito um esforço de trazer o presidente russo Vladimir Putin para o encontro. Isso, ao mesmo tempo que é um movimento ousado, pode ser arriscado e promover um esvaziamento, à medida que outros líderes de Estado se neguem a comparecer”, pondera o professor.
A reunião do G20 no Rio de Janeiro será realizada exatamente 13 dias depois das eleições presidenciais nos Estados Unidos – que vão definir se o democrata Joe Biden renova o mandato por mais quatro anos ou se o republicano Donald Trump retorna à Casa Branca.
“O resultado dessa eleição certamente vai estar presente na reunião do G20. E pode até definir se o presidente americano vai ou não comparecer. Mesmo que perca, Biden ainda será o presidente durante a realização do encontro no Brasil, mas, nesse caso, é possível que não vá”, analisa Menezes.
Trilhas de finanças e de sherpas
Quando foi criado, em 1999, o encontro do G20 tinha um caráter essencialmente financeiro e reunia os ministros das principais economias globais, que representam aproximadamente 85% da produção global.
Desde a crise de 2008, iniciada com a quebra do banco americano Lehman Brothers, os chefes de Estado passaram também a integrar as reuniões de forma assídua, de forma que os temas sociais passaram a ter maior relevância.
Esse histórico contribui para uma divisão de trabalho que organiza o encontro da cúpula em duas frentes distintas: as trilhas de finanças e as trilhas de sherpas.
A primeira é comandada pelos ministros da economia e os presidentes dos bancos centrais dos países integrantes do bloco – num modelo que acena justamente ao início do G20.
A trilha de finanças possui sete grupos de trabalho. São eles: assuntos do setor financeiro, arquitetura financeira internacional; economia global; finanças sustentáveis; inclusão financeira; infraestrutura e tributação internacional.
Já a trilha de sherpas tem um viés político. Ela é coordenada pelos emissários pessoais dos chefes de Estado do G20. No Brasil, o indicado de Lula é o embaixador Mauricio Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty.
O nome do grupo é uma homenagem a uma etnia que vive na região montanhosa do Nepal, país asiático vizinho da China e da Índia. A palavra Sherpas significa “povo do leste” e eles são conhecidos por guiarem os alpinistas até o topo das montanhas. A mais almejada é o Monte Everest – o maior pico do planeta.
A metáfora pretendida é uma associação com o suporte técnico que os emissários dão ao encaminhar as discussões até os acordos finais, celebrados entre os chefes de Estado.
A trilha de Sherpas tem quinze grupos de trabalho. São eles: agricultura; anticorrupção; comércio e investimentos; cultura; desenvolvimento; economia digital; educação; empoderamento de mulheres; pesquisa e inovação; sustentabilidade ambiental e climática; emprego; transições energéticas; redução dos riscos de desastres; turismo e saúde.
“Aqui o Brasil pode atuar muito fortemente mostrando seu portfólio de iniciativas em políticas públicas, que melhoraram significativamente nossos indicadores sociais. É o caso do Bolsa Família, do banco de aleitamento materno e da Pastoral da Criança. Isso traz protagonismo nessas discussões”, reforça o professor da UNB.
Há ainda duas forças-tarefas, compartilhadas com a trilha de finanças: a de mobilização contra a mudança do clima e de aliança contra a fome e a pobreza.
A trilha de Sherpas ainda engloba uma iniciativa de bioeconomia, que nesta edição é coordenada pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Iniciativa do Brasil com o G20 social
Uma iniciativa pioneira da presidência do Brasil foi a criação do G20 social, um espaço que trará representantes da sociedade civil para discutir temas sociais de diferentes áreas.
O modelo foi testado pelo governo brasileiro, em agosto do ano passado, durante a Cúpula da Amazônia. O documento final da reunião incluiu pontos debatidos pelos representantes de diversos movimentos.
“Esse é um modelo que Lula provavelmente aprendeu durante a realização dos Fóruns Sociais Mundiais em Porto Alegre, que aconteciam paralelo ao Fórum Econômico Mundial, de Davos, na Suíça. A grande inteligência é unir as duas agendas potencializando a liderança brasileira como articulador global”, pontua Feijó.