Caso ocorrido em 2011, em Londrina, foi a júri popular nesta terça-feira (16) e terminou com uma rara condenação também por danos morais
Em 28 de agosto de 2011, quatro anos antes da promulgação da Lei do Feminicídio (13.104/2015), Tamires Alves Vieira Bueno, 24 anos na época, foi esfaqueada em via pública por Claudenir de Souza, pai de sua filha, então com oito meses. A agressão teria ocorrido após Tamires dizer que havia pegado dinheiro com a mãe dele para comprar fraldas para a bebê. Somente hoje, 16 de agosto de 2022, praticamente 11 anos após o crime, Claudenir foi condenado pelo Tribunal do Júri a 9 anos e 4 meses por tentativa de homicídio.
Os jurados acataram duas agravantes presentes na denúncia do Ministério Público: motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima. Também houve uma rara condenação por danos morais, com indenização no valor de R$ 10 mil a serem pagos por Claudenir à vítima. Como respondia em liberdade, no entanto, o homem permanecerá livre até decisão de eventuais recursos.
Néias-Observatório de Feminicídios Londrina acompanhou o caso com a produção de um Informe e emissão de nota após o julgamento. Jéssica Hannes, advogada voluntária na entidade, explica que a demora no processo ocorreu na fase de investigações. Ela acredita que a lei do feminicídio tem contribuído para evitar situações como essa.
“Em Londrina a gente sabe que o juiz da 1a Vara Criminal prioriza esses crimes, sendo réu preso ou solto, e não se trata de uma exigência da lei. Como esse debate na sociedade tem sido maior, acaba ajudando sim na celeridade”, comenta.
Mesmo com a proibição do uso da tese de legítima defesa da honra nos tribunais, defensores de acusados de feminicídios tentados ou consumados recorrem frequentemente a táticas de desmoralização das vítimas, provocando revitimização. No julgamento de hoje não foi diferente. O juiz Leonardo Delfino Cezar chegou a advertir o advogado de defesa de Claudenir para que não fizesse mais perguntas constrangedoras a Tamires.
“Se a gente observar, a maioria das teses de defesa vão para esse lado, de tentar desqualificar a vítima, falar que o réu agrediu a mulher porque ela provocou. O que vejo com bons olhos é que os jurados não estão reconhecendo isso, o júri não tem levado em consideração. Acho que a população londrinense entende que isso não justifica”, avalia Jéssica.
Indenização promove reparação
A condenação de Claunider de Souza por danos morais contra a vítima é algo raro nos julgamentos de casos de feminicídio tentados ou consumados. “Quando a mulher sofre violência doméstica o dano moral não precisa ser comprovado, ela obrigatoriamente tem direito. Por isso, o MP, quando entra com denúncia, já pede essa indenização, mas o juiz nem sempre concede”, detalha Jéssica.
Para a advogada, a destinação de um recurso financeiro para as vítimas significa uma reparação pelos danos psicológicos e materiais causados pela agressão. “‘Essas vítimas de feminicídios tentados ficam sem amparo nenhum. Não que um valor econômico vai resolver todos os problemas dela, mas todas sofrem um abalo psicológico, precisam de atendimento, muitas perdem emprego. De certa forma é tentar recompensar essa vítima pelas perdas que ela teve”, considera.
Leia a nota do Observatório na íntegra:
Condenação de Claudenir é resposta adequada à violência de gênero contra mulheres
Em julgamento que durou apenas quatro horas, nesta terça feira (18 de agosto de 2022), as quatro juradas e três jurados condenaram, por maioria de votos, Claudenir de Souza por tentativa de homicídio contra Tamires Alves Vieira Bueno, com as qualificadoras de motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima, com agravante pelo crime ter sido cometido em situação de violência doméstica. Em que pese o crime não ter a qualificadora de feminicídio, por ter ocorrido antes da lei que a criou, ele possui todas as características de um feminicídio.
O crime ocorreu há quase 11 anos e somente agora o réu foi condenado e sentenciado a 9 anos e 4 meses de reclusão a serem cumpridos inicialmente em regime fechado. Porém, como Claudenir estava respondendo em liberdade, ele seguirá livre até decisão de eventuais recursos.
Durante a inquirição de Tamires, das testemunhas e do réu, a defesa se esmerou na tentativa de emplacar a tese de legítima defesa, informando que a vítima seria agressiva e teria provocado o réu. No depoimento da vítima, a defesa buscou a desmoralização de Tamires, recorrendo a diversos estigmas e tentativas de humilhação. Após uma bateria de perguntas agressivas, o advogado da defesa foi advertido pelo juiz Leonardo Delfino Cezar que não poderia fazer perguntas que constrangessem a vítima. A partir daí, o juiz também evitou as repetições de perguntas já apresentadas à vítima, colocando limites à revitimização da mulher.
A tentativa de criar a figura de uma vítima supostamente violenta e agressiva é uma estratégia de defesa comumente observada por Néias nesses julgamentos, motivo pelo qual denunciamos essa forma de revitimização.
Condenação também por danos morais
Néias destaca como um ponto inovador e muito positivo deste julgamento a condenação de Claudenir a pagar o valor mínimo de R$ 10.000,00 como indenização à vítima por danos morais.
Com o resultado de hoje, Tamires e a sociedade londrinense receberam a resposta da Justiça de que a humilhação da vítima não é defesa aceita para justificar a violência feminicida; que ocupações femininas estigmatizadas não têm relevância quando julgamos a situação de vítima de uma mulher; e, que, por fim, a resposta da Justiça à violência contra mulheres não deve ser apenas punitiva, mas também para restauração dos direitos da vítima, como é o caso ao condenar o réu à indenização por danos morais.
Néias-Observatório de Feminicídios Londrina vê a condenação de hoje como uma resposta adequada à violência de gênero contra as mulheres, contudo, reclama por mais celeridade nos trâmites dos processos.
Fonte: Rede Lume