BdF conversou com Ceres Hadich, integrante da direção nacional do Movimento, no dia seguinte à criação da Comissão
Uma “cortina de fumaça” e uma “CPI sem fato”. É assim que Ceres Hadich, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), avalia a Comissão Parlamentar de Inquérito que teve a criação confirmada na última quarta-feira (26) na Câmara dos Deputados.
Hadich, que concedeu entrevista ao Central do Brasil desta quinta-feira (27), disse que integrantes do movimento procuraram o presidente da Câmara, Arthur Lira, antes do anúncio, para entender as reais motivações que levaram à abertura da Comissão.
Na entrevista, que tem transcrição completa ao final deste texto, a integrante da direção do MST avalia que a CPI foi criada para atrapalhar, não apenas o MST, mas o próprio governo. “A gente acredita que [a CPI] não deveria nem ter sido aceita pelo presidente [da Câmara], porque ela não tem uma base constitucional. Que dirá ser levada à frente”, destacou Hadich.
Como o Movimento recebe essa informação e de que forma pretende se posicionar diante da instalação da CPI?
Essa não é a primeira vez que a gente sofre esse tipo de ataque e de tentativa de nos criminalizar por meio de uma CPI. Na verdade, na história do MST, essa já é a quinta CPI pela qual a gente já está passando. Esse rumor de que a CPI poderia ser instalada já vinha crescente, muito fomentado pela bancada ruralista, mas também por parlamentares e pelo senso comum da extrema-direita, especialmente a partir de março e abril.
A gente recebe com a lucidez de que é uma CPI sem fato, sem objeto determinado, sem um fato concreto para que ela possa ser instituída e efetivamente para que ela aconteça, mas entendemos que isso é parte dessa disputa de narrativas, dessa disputa por dentro do aparato do Estado brasileiro e que foi recebida pelo presidente [da Câmara dos Deputados] Arthur Lira como uma possibilidade também de colocar um contrapeso nas relações políticas dentro do Congresso.
A gente entende que é uma disputa que está para além do interesse em se entender o que de fato acontece, quem é o MST, ao que nós nos propomos; mas também joga peso na correlação de forças entre o governo e a sua base parlamentar.
Quem são os autores do pedido da CPI, e qual o objetivo desses parlamentares no Congresso ao criminalizar as ações do movimento?
Esse pedido que foi lido e instalado ontem [quarta, 26] pelo Lira, ele juntou, na verdade, vários pedidos. Tinha várias iniciativas de se realizar CPI contra o MST, que acabaram conjugando com uma proposta unificada. Entre os autores estão o Coronel Zucco (Republicanos-RS) e o Ricardo Salles (PL-SP), deputados de extrema-direita e também com forte vínculo com a bancada ruralista.
Essa tentativa é justamente de trazer, mais uma vez, essa narrativa da criminalização. De trazer o que supostamente seria o fim da reforma agrária, nessa leitura de extrema-direita, e nos criminalizar: buscar financiadores das nossas ocupações, atividades e atos. Na verdade é uma grande cortina de fumaça. O que estão querendo, a fundo, colocar o MST, como movimento social, e ao colocar o MST, colocar também os demais movimentos sociais, numa condição de ficar em represália, de não conseguir se atuar, se organizar, se posicionar, se defender. Ao mesmo tempo, encantonando os setores populares, que dão base e apoio de sustentação ao governo.
O movimento chegou a conversar com o presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre a instalação dessa CPI?
Sim, a gente teve uma conversa com o Lira no sentido de colocar exatamente isso. Entendemos que não é necessário, nesse momento de reconstrução do Brasil, a instalação de uma CPI como essa que, no fundo, vem atordoar, vem atrapalhar o processo de fortalecimento da nossa democracia.
No sentido de estabelecer um diálogo, não só com o presidente da Câmara dos Deputados, mas com a base parlamentar do Governo, a gente buscou fazer várias conversas para entender as motivações, que para nós são motivações basicamente políticas da extrema-direita em instalar essa CPI, que quer, na verdade, desestruturar esse processo de articulação, de fortalecimento da retomada do processo democrático no Brasil.
A gente colocou esse nosso entendimento para o Arthur Lira no sentido de que a gente não entende a materialidade de se instalar uma CPI neste momento. Ela vem muito mais a atrapalhar, não só o MST, mas o governo como um todo, e por isso a gente acredita que ela não deveria nem ter sido aceita pelo presidente [da Câmara], porque ela não tem uma base constitucional. Que dirá ser levada à frente.
O requerimento diz que a CPI vai investigar as ocupações feitas pelo movimento no estado da Bahia. Que tipo de terra o MST ocupa e qual a relevância dessa ação para a sociedade?
O Movimento Sem Terra já caminha para seus 40 anos, e, desde os anos 1980, a gente traz na bandeira da luta pela terra a bandeira da função social da terra, do direito democrático para acesso à terra e trabalho. Os assentamentos que foram conquistados desde então e as terras que são ocupadas desde então, há quase quatro décadas, são terras que não cumprem com sua função social. Função social, essa, que está descrita, evidente, defendida na nossa Constituição Federal.
A luta pela terra no Brasil, é uma luta democrática, é uma luta constitucional, e as terras às quais se dedica o movimento a ocupar são terras que não cumprem sua função social, seja por questões de improdutividade, ou se dedicar a fins ilícitos ao processo produtivo, como, por exemplo, áreas onde tem evidências de trabalho escravo, onde tem evidências de exploração infantil ou de mulheres, ou mesmo terras que se dedicam à não-produção de alimentos e à não-destinação dessa função social da terra.
Muitas vezes são terras devolutas, terras que pertencem ao estado, terras griladas. É nesse tipo de de terra e território que o movimento vem atuando, e segue atuando, assim como é o caso da Bahia e todo o Brasil.
Fonte: Brasil de Fato