Para pesquisadora desmonte de políticas públicas voltadas à prevenção e acolhimento das vítimas, fortalecimento de grupos ultraconservadores contrários às agendas da igualdade de gênero e diversidade sexual são fatores que levam ao aumento da violência em todo o país
Na última segunda-feira (13), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou novo levantamento que traça um panorama das múltiplas violências contra meninas e mulheres no país. Os dados abrangem o primeiro semestre de 2023 e demonstram que os casos de feminicídio aumentaram 2,6% quando comparados ao mesmo período de 2022. No total, 722 mulheres foram assassinadas de janeiro a junho deste ano.
De acordo com a Lei nº 13.104/2015, considera-se feminicídio quando o crime decorre de violência doméstica e familiar em razão de menosprezo à condição feminina.
Entre o primeiro semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2023 é possível verificar o crescimento de 14,4% no número de vítimas de feminicídio, estatística que cresce ininterruptamente desde a aprovação da legislação.
As informações foram coletadas com base em boletins de ocorrência registrados pelas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal.
Ainda, segundo o mapeamento, nestes seis primeiros meses, o crescimento foi puxado pela região Sudeste, que registrou 273 vítimas (+16,2%). As demais localidades apresentaram redução no número de feminicídios. A região Centro-Oeste registrou 81 vítimas, redução de 3,6% em relação ao ano anterior; a Norte teve 69 vítimas, queda de 2,8%; a região Nordeste apresentou a maior redução do período, de 5,6%, e contabilizou 187 vítimas; e, no Sul, a redução chegou a 3,4%, com 112 vítimas no primeiro semestre de 2023.
Contudo, os pesquisadores alertam para a possível subnotificação das queixas. “Tanto no trabalho de investigação das Polícias Civis, quanto no Judiciário, é comum que os profissionais tenham dificuldade de incorporar a perspectiva de gênero, com tendência a classificar como homicídio comum casos que deveriam ser feminicídios, ou seja, aqueles casos em que as mulheres morreram em razão de sua condição de gênero”, destaca o documento.
Os homicídios femininos também cresceram 2,6% no primeiro semestre deste ano, chegando a 1.902 mulheres assassinadas. Deste modo, tanto os assassinatos motivados por razões de gênero como as demais formas de crimes contra a vida de mulheres tiveram crescimento no país. Este resultado está na contramão da tendência nacional: recentemente, o Monitor da Violência, publicação do Portal G1 com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), mostrou que os crimes contra a vida caíram 3,4% no país no primeiro semestre deste ano.
Na região Sul, Paraná lidera
Neste primeiro semestre de 2023, os crimes de feminicídio no Paraná cresceram 30% em comparação a 2022. Neste ano, já foram 39 ocorrências face a 30 no mesmo período do ano passado. O índice coloca o território paranaense na liderança, com o maior número de casos na região Sul.
No primeiro semestre de 2023, Santa Catarina contabilizou 30 vítimas ante a 29 em 2022 (+3,4%). Já no Rio Grande do Sul, os crimes diminuíram, passando de 57 no ano passado para 43 em 2023 (-24,6%).
Desmonte de políticas de enfrentamento
Em entrevista ao Portal Verdade, Martha Ramírez-Gálvez, professora do Departamento de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e membra do Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina, pontua que o aumento de todas as formas de violência contra a mulher é decorrente de fatores como o desmonte de políticas públicas voltados à prevenção e acolhimento, fortalecimento de grupos ultraconservadores contrários às agendas da igualdade de gênero e diversidade sexual.
“Nós estamos observando o resultado de retrocessos políticos no Brasil depois de 2016, quando nós tivemos um governo golpista, ultraliberal, marcado pelo desmonte de políticas protecionistas não só para as mulheres, mas para os trabalhadores e trabalhadoras no geral. E começamos a perceber em todo este processo que foi o golpe contra Dilma [Rousseff], uma intensificação de reações misóginas, muito fortes, a reação da presença de mulheres na política e na esfera pública de maneira geral”, diz.
A docente recorda da violência política sofrida pela ex-presidenta e a associa ao empoderamento de movimentos de extrema-direita durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). “Vale lembrar como Dilma foi retratada em charges a colocando como estuprada, isto é uma violência enorme que parece que abriu a porteira para uma série de expressões que se consolidaram com a ascensão de um governo ultraconservador através da eleição de Bolsonaro”, analisa.
Estudo realizado pela Câmara dos Deputados, a pedido da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, mostra que apenas R$ 5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2020 foram efetivamente gastos com as políticas públicas para mulheres. Em 2022, o então, Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob a gestão de Damares Alves (Republicanos) reservou o menor orçamento para medidas de enfrentamento à violência contra a mulher (R$ 5,1 milhões).
“Nós tivemos durante estes quatro anos horrorosos para o país, um corte brusco no financiamento de políticas para as mulheres. Parece que a política foi a desmantelar qualquer tipo de política pública com um explícito posicionamento contra os direitos humanos, sexuais e reprodutivos”, complementa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.