Entre 2000 e 2022, 5.635 pessoas LGBTI+ foram mortas no país
Esta quarta-feira, 17 de maio, marca o Dia Internacional Contra a LGBTfobia, isto é, rejeição contra pessoas que possuem identidades de gênero e orientações sexuais dissidentes, que não correspondem ao sexo biológico e fogem à heteronormatividade (ideia de que apenas relacionamentos heterossexuais, entre pessoas de sexos opostos são considerados legítimos). Nesta data, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).
No Brasil, em 1985 – cinco anos antes da decisão OMS – foi estabelecido que a homossexualidade não seria mais considerada uma doença pelo, então, Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Em 2010, o dia 17 de maio foi incluído no calendário oficial, por meio de decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A conquista é decorrente da intensa luta do movimento no país que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo.
A principal finalidade da data é, portanto, promover ações de combate ao preconceito e conscientização a respeito da diversidade sexual e igualdade de gênero. Dossiê intitulado “Mortes e Violências contra LGBTI+”, publicado no início deste mês, demonstra que em 2022, 273 pessoas LGBTI+ morreram de forma violenta no Brasil, sendo 228 assassinatos, 30 suicídios e 15 óbitos por outras causas.
Isto quer dizer que, um LGBT foi vitimado a cada 32 horas no último ano. O mapeamento foi realizado pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ com base em notícias de jornais e postagens nas redes sociais. A iniciativa surgiu em 2020, e atualmente, é composta por três entidades, a saber: Acontece Arte e Política LGBTI, Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).
O índice representa uma pequena redução em comparação a 2021, quando o país registrou 316 crimes de ódio. Porém, os pesquisadores alertam para a subnotificação dos números, visto a dificuldade de levantar os dados. “Como dependemos do reconhecimento da identidade de gênero e da orientação sexual das vítimas por parte dos veículos de comunicação que reportam as mortes, é possível que muitos casos de violências praticadas contra pessoas LGBTI+ sejam omitidos”, ressalta o documento.
Perfil das vítimas
Em 2022, dois grupos foram os mais violentados no país: população de travestis e mulheres trans, com 58% dos casos (159 mortes); e homens gays, representando 35% do total (96 mortes). A idade das vítimas variou de 13 a 75 anos. A maioria das mortes ocorreu entre jovens que possuíam entre 20 e 29 anos: 91 casos, totalizando 33%.
Dos 273 casos registrados no período, foi possível identificar o pertencimento étnico-racial de 187 vítimas, ou seja, 68%. Não houve diferença significativa entre brancos e negros, sendo que 94 crimes (34%) foram cometidos contra pessoas brancas. Já contra negros foram notificados 91 ataques (33%). Contra Indígenas, ocorreram dois casos (0,73%).
Entretanto, se considerarmos os marcadores de identidade de gênero, orientação sexual e raça, evidenciamos que entre homens gays, a maior parte das vítimas são brancas (42) em relação a negras (27). Já entre as travestis e mulheres transexuais, houve maior número de mortes de pessoas negras (58) que de pessoas brancas (46).
Causa das mortes
Conforme ressaltado pelos coletivos em defesa dos direitos da população LGBTI+, os crimes contra a comunidade, na maioria das vezes, são caracterizados por requintes de crueldade. O estudo detectou 35 diferentes causa mortis de LGBT no Brasil em 2022. As duas mais frequentes foram: armas de fogo, com a morte de 74 pessoas (27%), e esfaqueamento, com 48 mortes (17%). Em seguida, foram registrados 15 óbitos por espancamento (5%), 10 mortes por apedrejamento (3%), nove assassinatos por objetos perfurocortantes (3%) e oito por estrangulamento (2%). Não foi possível identificar o motivo de 43 casos (15%).
Quanto aos locais dos crimes, a investigação constata que 136 casos ocorreram em espaços públicos, o que corresponde a 49% do total. Apesar da predominância de violências em ambientes públicos, os espaços privados tampouco podem ser considerados seguros para essa população, haja vista que 102 mortes (37%) ocorreram em locais privados, como a casa das vítimas, onde foram contabilizadas 67 mortes violentas.
Lideranças
O ano de 2022 registrou um aumento de 155% nos casos de assassinatos de defensores de direitos humanos de LGBTI+ no Brasil: 23 assassinatos foram registrados, 14 a mais que em 2021, que teve nove registros no total. A advogada Isabella Motta avalia que o aumento da violência está relacionado a disseminação de uma agenda antigênero, encampada por governos de extrema-direita.
“Desde 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, percebemos que as pautas dos movimentos feministas, LGBT foram amplamente rejeitadas e deturpadas. A criminalização da educação sexual nas escolas, por exemplo, denominada de ‘ideologia de gênero’ por setores conservadores dificulta muito a desconstrução de preconceitos e intolerâncias. Os pânicos morais motivados pelo discurso de que estas pessoas colocariam ‘a família tradicional’ em perigo tornam-se instrumentos para arrecadar votos, enquanto LGBTQIA+ continuam sendo violentados e morrendo todos os dias”, adverte.
Regiões mais violentas
Os estados que apresentaram maior número de assassinatos no período foram: Ceará (34), São Paulo (28), Pernambuco (19), Minas Gerais (18) e Rio de Janeiro (16). Com menor quantidade de ocorrências, ficaram Rondônia (2), Amapá e Roraima, com um óbito cada. Acre e Tocantins foram as únicas unidades da federação que não apresentaram registro de mortes violentas de LGBTI+ em 2022.
O Paraná registrou 10 assassinatos de LGBTI+ em 2022, sendo: três mortes em Curitiba, duas em Guarapuava e duas em Londrina. Maringá, Pinhais e Sarandi contabilizaram uma morte cada. A taxa é a maior da região da Sul, visto que Santa Catarina contabilizou cinco crimes de ódio e Rio Grande do Sul, quatro óbitos motivados por violência contra esta parcela da população. Acompanhe o relatório completo aqui.
Homofobia configura crime no Brasil. A pena pode variar entre um a cinco anos além da aplicação de multa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.