Vice-presidenta da CNTE afirma que piora dos serviços públicos após serem privatizados é um aviso para a comunidade escolar rejeitar o projeto de Ratinho Jr. que privatiza gestão de escolas estaduais
Milhares de moradores(as) de São Paulo ficaram mais de sete dias sem energia elétrica, depois que uma forte chuva atingiu a cidade no início deste mês de outubro. O cenário de caos e abandono na maior cidade da América Latina ocorreu após a privatização da estatal que atendia os(as) paulistanos(as). Para a vice-presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Marlei Fernandes, esse tipo de “apagão” também deve acontecer na vida de estudantes e educadores(as) do Paraná se o programa do governador Ratinho Jr. (PSD), que prevê a privatização da gestão de escolas, não for barrado.
“É nítido que quando uma empresa compra um bem público, como a energia, a água e agora até escola, o serviço vai ficar de péssima qualidade. Primeiro eles dizem as maravilhas. Depois, na realidade, é o que nós estamos vendo com os recentes apagões e a falta de respeito com toda a população. Em São Paulo a população ficou mais de sete dias sem energia nas suas casas. Imagina em uma escola, onde a empresa quer ter lucro, o que vai acontecer. Eles vão demitir ou mandar embora professores, pois vão querer pagar menos salários, contratar menos pessoas, fazer serviços com menos qualidade”, alerta.
O que aconteceu em São Paulo não foi um fato isolado. A piora dos serviços públicos após serem terceirizados ou privatizados no Brasil é uma realidade em vários estados, inclusive no Paraná. Em todos os casos, a principal ameaça do avanço das empresas privadas na gestão de serviços essenciais à população é contra a vida, principalmente das populações mais vulneráveis.
“Por isso, é necessário e urgente que a gente possa impedir essa privatização das escolas públicas do Paraná. A escola pública é um bem público da sociedade, é um direito constitucional, e não pode ser vendida, privatizada. Privatizar significa dar, doar esse bem público para uma empresa. E é isso que o governo do Estado está fazendo”, ressalta Marlei.
Autoridades e especialistas têm feito duras críticas a Enel, empresa privada responsável pelo fornecimento de energia em São Paulo, pela incapacidade de restabelecer o sistema. As declarações mostram a lógica do setor privado que, para priorizar o lucro e aumentar a fatia de dinheiro destinada aos acionistas, promove a redução de investimentos e a demissão de trabalhadores(as). Sem a estrutura necessária, a empresa não conseguiu dar conta da demanda de reparos e deixou mais de 2,1 milhões de clientes no escuro, amargando prejuízos.
“Qual é a lógica do privado? Lucro. O que o privado vai fazer? Vai demitir, vai limitar, que é o que aconteceu com a Enel. Por isso é que a própria prefeitura passou a divulgar imagens feitas com drones. Olha lá, os carros da Enel estão todos parados. Claro que estão todos parados. Não tem funcionário para dirigir o carro. Não tem eletricista. Não tem porque demitiram tudo. Porque a demissão é uma lógica da administração privada em muitos casos”, comentou o jornalista e apresentador do Flow News, Rafael Colombo, em uma rede social.
No Paraná, após ser vendida pelo governador Ratinho Jr., a Copel deixou de ser uma das melhores companhias de energia do país e agora está em primeiro lugar na lista das empresas do setor com maior número de reclamações, como mostra um gráfico apresentado pelo comentarista de economia do Jornal da Globo, Bruno Carazza.
“Quando a gente vê o painel geral das reclamações feitas pelos consumidores por falhas na prestação de serviço, a gente vê que não é um problema isolado aí em São Paulo. A gente preparou aí uma tela, o pessoal vai colocar aí para a gente, mostrando um ranking das empresas com maiores reclamações e a gente vê que são casos como em Curitiba, como a Copel no Paraná, o caso da Light no Rio, o caso da Equatorial no Rio Grande do Sul. Então, é um problema generalizado”, disse.
No mês passado, outro caso gravíssimo provocado pela operação de empresas privadas chocou o Brasil e o mundo com a descoberta de que a negligência de um laboratório particular teria provocado a transmissão de HIV em seis pacientes que passaram por cirurgia de transplante de órgãos.
Segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro, o laboratório PCS Lab Saleme é apontado como responsável pelo erro na liberação dos órgãos infectados. De acordo com as apurações até o momento, a falha teria ocorrido após a empresa determinar medidas para reduzir custos com os insumos utilizados nos exames de identificação do vírus.
O caso segue sob investigação, mas além de gerar consequências aos seis pacientes pelo resto de suas vidas, também colocou em risco a imagem do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) brasileiro, o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo.
Antidemocrático, retrocesso e lucro para empresários
O projeto que deu origem ao Parceiro da Escola foi aprovado em regime de urgência no início de junho deste ano pela Assembleia Legislativa. Sem debate com as comunidades escolares e com os(as) trabalhadores(as) da educação sobre os impactos da medida, o governador Ratinho Jr. impôs mais uma vez sua agenda privatista.
Com a ausência de diálogo sobre o projeto, o não pagamento da data-base e outras pautas, a categoria deflagrou uma greve que mobilizou mais de 20 mil professores(as) e funcionários(as) de escola em Curitiba e protestos em praticamente todas as escolas da rede estadual.
Os(as) educadores(as) reuniram-se em frente ao prédio da Assembleia nos dias de votação do projeto. Mesmo com a grande manifestação, a base de apoio do governador ignorou os pedidos de diálogo e aprovou a matéria. O texto foi sancionado em seguida pelo chefe do Executivo.
De acordo com o texto, o governo do estado poderá transferir para a iniciativa privada a gestão de mais de 200 escolas da rede estadual, após a realização de uma consulta à comunidade. A iniciativa tem como base um projeto piloto realizado em duas escolas da rede, no Colégio Estadual Aníbal Khury, em Curitiba, e no Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).
Diferente das informações divulgadas pelo governo, os relatos de educadores(as) denunciam uma série de problemas gerados após a entrega para gestão privada, como falta de professores(as) e funcionários(as) de escola, estrutura precária, uniformes de péssima qualidade e aumento nos casos de violência dentro e fora da escola.
Outra questão apontada pela APP é sobre o repasse de recursos da educação pública para dar lucro a empresas privadas. A estimativa é de que as empresas que forem selecionadas devem receber quase R$ 2 bilhões por ano e ter um lucro estimado em R$ 240 milhões. O valor foi calculado com base nos editais e contratos do projeto piloto.
Segundo dados levantados, foi possível apurar que a gestão de Ratinho Jr. investe em torno de R$ 8,00 por estudante, mas para as empresas promete pagar uma quantia até 100 vezes maior, R$ 800,00 reais por estudante.
A discussão sobre a constitucionalidade da iniciativa também é debatida no Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7684, protocolada no dia 11 de julho deste ano pelo Partido dos Trabalhadores.
No final de agosto, o ministro Kassio Nunes Marques, relator do processo, determinou que o governo do Paraná seja intimado a se manifestar no processo. O magistrado também pediu a manifestação da Advocacia-Geral da União e o parecer da Procuradoria-Geral da República.
Fonte: APP Sindicato