Medida, ainda em negociação, prevê aumento do orçamento público para manutenção de programas sociais e reajuste do salário-mínimo
Desde que a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu vitoriosa das urnas e a sua equipe, liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) começou a dar os primeiros passos para organizar seu próximo governo a partir de 2023, uma das discussões mais importantes tem sido a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, como ficou conhecida. A medida prevê alterações nas regras fiscais para viabilizar a manutenção de programas sociais. Também define o aumento de recursos para obras e políticas públicas.
Para o economista, Venâncio Oliveira, a PEC é uma “batalha” para garantir a oferta de direitos e serviços públicos para a população brasileira, sobretudo, as parcelas mais pobres. Ele lembra que o atual governo de Jair Bolsonaro (PL) “furou” o teto de gastos – diretriz aprovada por Michel Temer (MDB) em 2016, estabelece um limite para os gastos públicos – a fim de financiar o orçamento secreto e outras medidas – a exemplo do Auxílio Caminhoneiro – anunciadas às vésperas das eleições 2022 com o intuito de buscar o segundo mandato.
“A gente tem um orçamento estrangulado por uma medida autolimitante, completamente descabida em relação às políticas públicas, pensando na Constituição e que o Estado tem que garantir direitos e para isso precisa de um orçamento, mas há uma lógica que o mantem engessado para não gastar, sustentando numa economia da pobreza que enriquece poucos. A e equipe de transição tem juntado dados e percebido que não tem orçamento para o ano que vem”, avalia.
Uma das prioridades da PEC é assegurar a continuidade do Farmácia Popular. A iniciativa que é responsável por distribuir medicamentos gratuitos ou com descontos, teve verba reduzido em 60%. Na proposta de orçamento 2023 enviada para o Congresso, Jair Bolsonaro diminuiu o recurso da iniciativa de R$ 2,04 bilhões, em 2022, para R$ 804 milhões a partir do próximo ano.
Outra finalidade da PEC é possibilitar o pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil, que voltará a ser chamado de Bolsa Família. O governo Bolsonaro destinou R$ 105 milhões para o programa em 2023. Com isso, o valor recebido pelos beneficiários teria que ser reduzido para R$ 405 mensais. Atualmente, há 21 milhões de pessoas cadastradas no Auxílio Brasil. Ainda em discussão, o texto estipula a retirada do programa por tempo indeterminado do teto de gastos. Este é um dos pontos ainda em negociação que está dificultando a tramitação do documento no Senado.
“A PEC é importante para garantir orçamento para as universidades, políticas contra o desmatamento, que inclusive vem de doações, por exemplo. É necessário que haja expansão fiscal para garantir direitos. Temos mais de 40 milhões de pessoas na extrema pobreza que precisam de auxílio, de assistência social. E gerar uma dinâmica econômica que diminui o desemprego, o aumento de salário real para além da inflação, o que não vinha acontecendo. O mercado não quer a PEC da Transição porque não quer que o governo gaste com os mais pobres para manter o superávit para gastar com os ricos e não cobrar impostos de grandes fortunas. Então, o que está na luta é garantir direitos para a população brasileira”, pontua Oliveira.
A expectativa era de que o relator, senador Marcelo Castro (MDB) entregasse o texto final nesta quarta-feira (23), mas a falta de consenso sobre o valor que será disponibilizado e o tempo em que o Bolsa Família ficará fora do teto de gastos tem atrasado o andamento da votação. O Partido dos Trabalhadores estima que, ao menos, R$ 175 bilhões a mais sejam dispostos. Para ser aprovada, a PEC precisa ser votada em dois turnos na Câmara Federal e no Senado e é necessário obter o apoio de, no mínimo, 308 deputados e 49 senadores.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.