Movimentos comentam cenário atual, ainda marcado pela dificuldade de acesso a crédito que vigorou nos últimos anos
O governo federal lança, nesta quarta-feira (28), o Plano Safra da Agricultura Familiar, política focada em incentivos à produção do setor. Segundo números preliminares divulgados pelo presidente Lula (PT), serão R$ 75 bilhões em investimentos na área, com juros de menos de 10%.
O anúncio, que ainda será detalhado em uma cerimônia no Planalto do Planalto, já mobiliza a expectativa de pequenos agricultores que atuam em diferentes bases de produção.
É o caso de José Messias dos Santos, que tem uma propriedade de 20 hectares no município de Malhada de Pedras, região sudoeste da Bahia. Ele destaca as dificuldades que o segmento enfrentou nos últimos anos, com a desidratação das políticas públicas voltadas à agricultura familiar e dificuldade de acesso a financiamentos.
“Eu espero que agora a gente consiga ter uma linha de crédito melhor para o agricultor para diminuir as burocracias”, exclama. Com uma plantação que cultiva feijão, milho, mandioca, melancia e abóbora para serem vendidos em feira livre da cidade, Santos espera ampliar o negócio por meio de um empréstimo de cerca de R$ 30 mil.
A projeção é de que, com isso, o agricultor consiga aumentar a propriedade em 5 hectares. Também estão nos planos a instalação de um sistema de irrigação local e a aquisição de 50 galinhas, dez cabeças de gado e cinco porcos. “O financiamento geralmente ajuda muito porque a gente consegue também melhorar o abastecimento de produtos no município. É o que move aqui a nossa região, suprindo o mercado local e o de cidades vizinhas”, conta o camponês.
Segundo as primeiras informações divulgadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o pacote do Plano Safra da Agricultura Familiar para o período 2023/2024 deverá incluir compra de maquinário, incentivo a práticas sustentáveis e o lançamento de linhas de crédito voltadas especificamente para mulheres, jovens, povos e comunidades tradicionais, entre outras medidas.
“Para nós, a retomada do plano é muito simbólica e marca um novo momento do Brasil, principalmente agora, que estamos lidando com um Brasil que está no mapa da fome. A gente precisa produzir comida, e quem mais produz alimentos na sua diversidade é a agricultura familiar. Temos boas expectativas, mesmo sabendo que a situação do país não está boa porque estamos pegando um orçamento que ficou da gestão passada”, avalia a secretária de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Vânia Marques Pinto.
Opinião semelhante tem o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que, assim como outras organizações do campo, enviou lideranças a Brasília (DF) para participarem do lançamento nesta quarta. “Depois de seis anos sem a agricultura familiar ter relevância no plano nacional de investimentos, isso significa que agora teremos mais gente produzindo alimentos no país. O programa foi muito capturado pelo agronegócio nos últimos anos, mas acho que agora é o início de uma retomada importante”, considera Anderson Amaro, da direção nacional da entidade.
A secretária de Política Agrícola da Contag conta que o anúncio de que o plano seria lançado gerou uma grande busca dos agricultores da base por informações a respeito do programa. “O que eles mais perguntam pra gente é se vai haver um aumento dos valores do crédito e também uma redução dos juros, que são uma preocupação maior porque o custo da produção tem sido muito alto.”
Cenário
O Plano Safra do primeiro ano do governo Lula surge em um momento em que a agricultura familiar se vê ainda fragilizada pela falta de incentivos que vigorou durante a gestão Bolsonaro (2019-2022), fase em que os investimentos públicos se concentraram no agronegócio. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), por exemplo, aponta que 70% da base da entidade não tiveram acesso ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), instrumento de crédito e principal braço do programa.
A organização tem 400 mil famílias assentadas pelo país, distribuídas em mais de mil associações e quase 200 cooperativas que aguardam com ansiedade os próximos passos da política agrária do atual governo, com destaque para o Plano Safra.
Destas 400 mil famílias, a entidade estima que cerca de 50% estejam atualmente endividadas em instituições como Banco do Brasil, Banco do Nordeste e outras que operam crédito rural. O índice é visto pelo segmento como um dos resultados mais diretos da falta de políticas de crédito acessíveis ao setor nos últimos anos.
Enquanto cultiva a expectativa pelo retorno dos investimentos na agricultura familiar dentro do Plano Safra, Diego Moreira, da direção nacional do setor de produção do MST, conta que também teme alguns entraves que podem prejudicar a política. Ele se queixa de falta de diálogo do governo federal com os movimentos populares do campo antes do lançamento do programa.
“Por isso eu acho que corre o risco de nós termos um Plano Safra bonito no papel e no discurso, mas com a sua capacidade operacional de acesso das famílias às políticas de crédito muito pequena em relação à necessidade que nós temos”, afirma o dirigente.
Por outro lado, o MST vê com bons olhos o anúncio de que o programa incluirá pontos como aquisição de máquinas, adoção de políticas sustentáveis e linhas de crédito para segmentos mais vulneráveis do setor. “A gente espera que essas várias medidas, que são parte do discurso do governo, de fato tenham capilaridade e nos ajudem a enfrentar os principais desafios da agricultura familiar e da reforma agrária no país”, afirma Diego Moreira.
Pauta
Paralelamente ao lançamento do plano, lideranças do campo contaram ao Brasil de Fato que seguem tentando dialogar com o governo sobre algumas outras medidas demandadas pelos agricultores.
“Nós estamos propondo ao governo que haja um fomento de R$ 10 mil divididos em dois anos [de pagamento] para atender as famílias que hoje não conseguem acessar nenhum tipo de crédito, para que depois elas possam acessar um ‘Pronaf B’ ou microcrédito”, exemplifica Vânia Marques Pinto.
Já o MPA destaca que está na busca por uma política robusta de incentivo ao consumo de produtos saudáveis. A ideia é emplacar o chamado “Programa de Alimentação Saudável (PAS)”.
“Houve por parte do ministro [Paulo Teixeira] uma boa recepção, mas, infelizmente, devido à falta de orçamento suficiente para um programa como esse, ainda não deu certo. Estamos na expectativa de termos um piloto este ano para ver se próximo ano o Plano Safra abarca isso. É algo para seguirmos tentando”, encerra Anderson Amaro.
Fonte: Brasil de Fato