Tempo gasto com locomoção e concentração de postos de trabalho nas regiões centrais estão entre as causas identificadas pelo estudo
A população de menor renda é a que mais enfrenta dificuldades para se locomover até as vagas de trabalho. A conclusão é do estudo “Os Impactos Desiguais do Congestionamento Urbano no Acesso a Empregos”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) na última quinta-feira (28). O levantamento foi realizado nas 20 maiores cidades do Brasil.
De acordo com a investigação, as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília são as mais afetadas pelas limitações impostas pelos engarrafamentos na perspectiva de acesso a postos de trabalho. A redução da quantidade média de empregos ofertados nesses municípios por causa do trânsito é de 40,7%, 35,1% e 24,6% respectivamente.
“O levantamento realizado aponta que, embora os congestionamentos afetem a todas as classes sociais, eles têm um impacto maior sobre populações de baixa renda. Nas cidades com mais desigualdades entre aquelas abrangidas no trabalho, São Paulo e Belo Horizonte, a população mais pobre tende a ser aproximadamente entre três e 11 vezes mais impactada pelos congestionamentos do que a população mais rica”, salienta o relatório.
Segundo a pesquisa, dois fatores corroboram para explicar esta desigualdade: as vagas de emprego muitas vezes estão localizadas em regiões centrais, áreas em que a venda e locação de imóveis tendem a ser mais caras. Logo, setores com maior renda, têm mais chances de ocupar e chegar a estes espaços.
Por outro lado, camadas mais empobrecidas da população, majoritariamente, estão concentradas em regiões mais periféricas. Esses segmentos acabam sofrendo mais com os congestionamentos por terem de percorrer distâncias maiores para chegar a áreas centrais.
Ainda, a investigação evidencia as consequências para a população em extrema pobreza. Estas egiões são tão afastadas dos centros que seus habitantes não têm oportunidade de acesso a empregos mesmo com trânsito livre (considerando o intervalo de tempo de viagem analisado no estudo, de 15 a 45 minutos de viagem de carro). “A situação desse grupo de renda pode ser descrita como um deserto de oportunidades”, resumem os pesquisadores.
Matheus Leal, arquiteto e professor, pontua a necessidade de políticas públicas voltadas à habitação e mobilidade urbana. “Primeiramente, temos que garantir que as parcelas mais vulneráveis tenham o direito constitucional de acesso à moradia garantido. Não basta apenas ter o espaço, mas assegurar a permanência de maneira segura, com oferta a demais serviços públicos na região, o que inclui transporte de qualidade. As estratégias de locomoção tem que ser diversificadas e não um limitador, quando a pessoa deixa de ir e vir por falta de recurso, outro direito fundamental está sendo lesado”, observa.
Para o profissional, a redistribuição de vagas também é um fator para romper com os ciclos de pobreza e desigualdade. “Também é importante incentivar os empregadores a instalarem seus negócios em outras regiões para além das centrais, realizando uma divisão mais equânime das oportunidades de trabalho. Precisamos romper com a lógica que os trabalhadores que residem nas periferias sejam apenas mão de obra nos grandes centros, reforçando a exclusão e precarização”, complementa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.