Identificação com eleitorado e interesse em verbas podem estar por trás do “enegrecimento súbito”
O estranho caso de enegrecimento súbito de Antônio Carlos Magalhães Neto (União) na Bahia chamou a atenção e cobrou seu preço: de líder nas pesquisas para o governo do estado, ACM perdeu cinco pontos após sua inusitada autodeclaração como pardo e agora está em segundo lugar. A imagem do neto de ACM possivelmente com um bronzeamento artificial, para parecer mais negro, pegou mal e fez até uma apresentadora da Globo rir no ar.
Mas não se trata de um caso único. No Paraná, o deputado federal Paulo Martins (PL), também sofreu da síndrome do candidato pardo. Branco até as eleições passadas, dessa vez, na disputa pelo Senado, ele cravou a opção “pardo” na declaração ao TRE. No Sergipe, a autodeclaração do senador Alessandro Vieira (PSDB), igualmente “pardo”, vem causando contestação dos adversários.
Os candidatos ficam irritados com o questionamento de sua nova cor. ACM Neto quis saber se só petistas podem ser pardos. Paulo Martins perguntou se estamos por acaso num tribunal racial – e terminou com a estranha conclusão que, como se trata de uma autodeclaração, ele pode escolher a opção que quiser e ponto final.
Na opinião de especialistas, esse fenômeno pode ter duas razões: a identificação racial dos candidatos ou a tentativa de aproveitar maior parte do fundo eleitoral.
Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra no Brasil é composta por todos os brasileiros que se autodeclaram pretos e pardos, que compõem 76% da população na Bahia. Por isso, para o cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Puc-Rio), Ricardo Ismael, a mudança na autodeclaração racial de ACM Neto visa se aproximar do eleitorado preto e pardo. “Acredito que a ideia é que, ao mudar sua declaração de cor, ele estaria respondendo a uma demanda de parte do eleitorado, que passou a valorizar mais essa questão de cor e raça.
Portanto, Ricardo acredita que a opção de ACM Neto foi fruto de um cálculo político para ampliar seus votos em uma eleição majoritária para governador. Porém, o cientista político avalia que o candidato a governador “pagou caro” por sua escolha. “O ACM acabou ampliando seu desgaste político e tendo que explicar até mesmo se tinha feito ou não um bronzeamento artificial. Depois dessa polêmica, ele perdeu a chance, inclusive, de vencer em primeiro turno”, explica.
O professor de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Sérgio Luis do Nascimento, por sua vez, também acredita que a mudança na autodeclaração racial de ACM Neto é uma estratégia de propaganda política, embora avalie a atitude como prejudicial para aumentar o número de votos, uma vez que a questão racial não era um foco de críticas para ACM antes do ocorrido. “Parece até estranho, pois apesar de ser predominantemente branca, a família Magalhães tem um histórico de identificação com a população baiana e nunca foi um empecilho para o eleitorado votar no avô, pai e agora, no neto”, afirma.
Já no Paraná, a candidata à Câmara dos Deputados e atual vereadora de Curitiba, Sargento Tânia Guerreiro (União), ‘mudou de cor’ ao registrar sua candidatura neste ano, após ter assumido dois cargos públicos como pessoa branca: suplente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) em 2018, e vereadora de Curitiba em 2020. Ao ser questionada pela reportagem do Plural, a assessoria de Tânia alegou que “houve um erro do partido no preenchimento das informações da vereadora em relação ao cadastro”. Dessa forma, a sargento Tânia manteve sua autodeclaração como branca nos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Outro candidato paranaense que mudou sua declaração racial foi o deputado federal Paulo Martins (PL), que disputa uma vaga no Senado nas eleições deste ano. Em 2018, Martins concorreu como candidato branco à Câmara dos Deputados pelo PSC. Porém, neste ano, o próprio candidato afirmou que “se sente pardo” e questionou à imprensa: “alguém aí é membro de tribunal racial para dizer que não sou?”. Dois outros candidatos paranaenses ‘mudaram de cor’ nestas eleições: o ex-prefeito de Londrina, Barbosa Neto (PDT), que concorre a deputado estadual, e Márcia Reis (PSDB), para deputada federal.
Nesse sentido, o doutor em Educação Sérgio Luis acredita que a mudança na declaração racial dos candidatos paraenses se relaciona com a dinâmica do fundo eleitoral, lterada em 2021 com a Emenda Constitucional 11/2021. “Como a nova lei estabelece que mulheres e pessoas negras devem receber o dobro de recursos do fundo eleitoral, alguns candidatos podem se aproveitar disso”, afirma.
Além disso, o professor de Filosofia explica que o “oportunismo racial” é uma questão que ocorre desde o início das ações afirmativas, como no caso das cotas em universidades para estudantes negros. “Muitas pessoas passaram a entender, nessa espreita da ação afirmativa, uma forma de se identificar como negros e tentar ingressar em vagas destinadas a essa população. No caso da eleição, o objetivo é conseguir uma maior parte do fundo eleitoral.”
Nesse sentido, Sérgio explica que existe uma forma de reconhecer e repudiar o comportamento de candidatos “oportunistas”. “O eleitor tem que ficar muito atento para perceber se essas pessoas que se identificam como pardos ou negros realmente tem, além da identificação, propostas que atendam à população negra”, afirma. “Reconheço a importância da representatividade, mas acredito que é muito mais importante estarmos atentos às propostas dos candidatos e o que eles pretendem promover como melhorias para a população em geral, do que votar em um candidato apenas pelo fato de ele ser branco, negro ou indígena”, explica.
Fonte: Redação Jornal Plural