APP-Sindicato alerta para ‘fim da educação pública’
Na próxima semana, deve chegar a ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) projeto de lei que prevê o repasse da administração de 200 escolas estaduais para iniciativa privada. A iniciativa nomeada programa ‘Parceiro da Escola’, proposta pelo governador Ratinho Júnior (PSD), autoriza que diversos serviços como segurança, limpeza, oferta de merenda e contratação, via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de professores não efetivos seja realizada por empresas particulares.
Em Londrina, quatro escolas foram selecionadas: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Prof.Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira.
Conforme informado pelo Portal Verdade, no final de 2022, o mandatário do Palácio do Iguaçu tentou aprovar a iniciativa. Na época, foram anunciadas 27 escolas, inclusive de Londrina, cujas gestões deixariam de ser responsabilidade direta do estado. Porém, em consulta pública, grande parte das comunidades escolares rejeitam a proposta.
Desde lá, o modelo foi implementado nos colégios estaduais Anibal Khury Neto, em Curitiba, e Anita Canet, em São José dos Pinhais. Nas unidades, a administração é realizada, respectivamente, pelas empresas Decisão e Apogeu. As duas estão localizadas fora do estado.
Márcio André Ribeiro, professor da rede estadual de educação e presidente da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) – Núcleo Londrina, classifica o projeto como “uma bomba embrulhada em papel de presente”. De imediato, o educador questiona o nome do programa (‘Parceiro da Escola’) e avalia que o projeto significa efetivamente a privatização do ensino público.
“Haverá um tipo de licitação, algumas empresas educacionais que vencerem passarão a administrar essas escolas com todo poder necessário. Então, uma empresa manterá um diretor, uma pessoa que vai gerir todo o processo financeiro e o que manda é o financeiro, então, a atual direção da escola vai passar a ser uma pedagoga que vai ajudar a cuidar das outras pedagogas e professores. A empresa vai contratar os professores e funcionários do jeito que quiser no formato CLT ou até pior. Há indícios que a contratação também será via MEI”, adverte.
O MEI (Microempreendedor Individual) é a pessoa que trabalha como pequeno empresário de forma individual.
Ainda, a liderança destaca os prejuízos para os trabalhadores da educação que ficarão desassistidos. Além disso, ele ressalva a preocupação com o aumento de casos de assédio face a imposição de metas inatingíveis. A prática já que tem sido denunciada pelo Sindicato na medida em que a lógica privatista avança sob as políticas educacionais no estado.
“Não vai ter hora-atividade, sem piso salarial, valores pré-definidos, não tem absolutamente nada, principalmente, os professores e funcionários temporários serão os mais prejudicados nesse primeiro momento, mas os concursados também, pois eles não conseguirão ficar neste ambiente que só valoriza o lucro através de bonificações por metas. E para atingir estas metas não é qualidade que é importante, é a quantidade”, observa.
O edital estabelece que os funcionários efetivos seriam “consultados se querem permanecer na escola”.
Membro da bancada de oposição e diretor estadual do PT (Partido dos Trabalhadores), o deputado Arilson Chiorato também alerta para os impactos do projeto que a médio prazo pode representar o fim da educação pública no Paraná.
“Foi anunciado que será feito em 200 escolas, mas não impede que seja feita em outras depois, terceiriza administração, infraestrutura, segurança, alimentação e autoriza a contratação de professores de modo temporário, isso quebra o que a gente entende de educação pública, portanto, é muito nocivo”, afirma.
Walkiria Mazeto, presidenta da APP-Sindicato, também considera o programa uma ameaça à qualidade e universalidade da educação pública. “Uma vez que esse projeto se torne lei, o governo terá carta branca para privatizar as escolas conforme seus interesses políticos, que muitas vezes não são alinhados com os melhores interesses educacionais”, avalia.
Segundo mapeamento da APP-Sindicato, em 2022, metade do quadro de funcionários de escola já está terceirizado em todo o Paraná. Além da falta de direitos, a terceirização custa no mínimo R$ 114 milhões a mais por ano aos cofres públicos, constatou a entidade.
Estudantes também sofrem com instabilidade
Ribeiro também evidencia os reflexos para os estudantes. Para ele, a falta de estabilidade dos funcionários e docentes, prejudica um aspecto fundamental para o processo educativo: o planejamento.
“Você precisa que a escola tenha o maior número de professores e funcionários concursados, fixos nesta escola, ou seja, toda carga horária dentro desta escola, porque ele atende a família inteira, um irmão que está no 6º ano, outro que está no 9º ano, uma irmã que está no ensino médio, tem a possibilidade de conhecer toda a família, até várias gerações da mesma família. Toda comunidade escolar passa a ter um olhar diferenciado, inclusive, sobre a maneira de dar a aula, as técnicas pedagógicas utilizadas têm condições de ser muito diferenciadas. O trato dos funcionários é muito mais humanizado, porque conhece há muitos anos a comunidade. Esta é uma escola que nós consideramos o formato ideal”, diz.
“Mas o que vai acontecer? Uma completa confusão, um professor passa um mês em uma escola e daí não atende é mandado embora, é contratado outro. Funcionários e professores terceirizados, não tem parada, fica em um colégio um tempo, daqui a pouco muda e vai para outro colégio”, acrescenta.
Chiorato também entende que o alunado irá sofrer com a rotatividade de docentes. “Não teremos um pensamento de longo prazo na educação, ao contratar professores de forma temporária, no modelo de contratações privados, você quebra o longo tempo e o comprometimento do ensino em um período mais amplo, temos uma deformação do que conhecemos hoje, os alunos terão suas rotinas atrapalhadas”, indica.
“Claro que o governo vai vender uma imagem de que um colégio particular é melhor, mas não é verdade, é uma mentira absoluta, os números comprovam isso, que as melhores avaliações estão nas universidades públicas e escolas públicas de nível federal e estadual também”, complementa Ribeiro.
De cima para baixo
Na última terça-feira (21), representantes do Palácio do Iguaçu se reuniram com mais de 30 deputados da ala governista para apresentar o projeto. O secretário de Educação, Roni Miranda, conduziu a reunião.
Entre as justificativas para aprovação da iniciativa, o chefe da pasta defendeu que a terceirização irá melhorar a qualidade do ensino público do Paraná através da elevação do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
De acordo com ele, as escolas vão poder identificar, através de pesquisas de avaliação, se o projeto resultou em progresso para o colégio. E caso haja insatisfação o contrato de terceirização não será renovado.
Outro fator a ser adotado é o desempenho dos alunos, que terão de fazer uma avaliação das disciplinas de português e matemática no começo do ano para que haja uma percepção da progressão do aprendizado.
“Essa nova tentativa do governo estadual de avançar neste projeto de privatização vem de forma diferente. Já vem sendo apresentado como projeto de lei, o governo vai apresentar dentro da ALEP que não legisla em praticamente assunto nenhum. Há um grupo em torno de 10 deputados estaduais que se colocam como de oposição e fazem a crítica, o debate, mas os mais de 40 que sobram assinam embaixo de absolutamente tudo que o governador manda para a ALEP”, analisa Ribeiro.
O professor questiona o caráter ‘democrático’ da tramitação. Ele lembra que em votações similares como a implementação das escolas cívico-militares, a SEED (Secretaria Estadual de Educação) adotou um tom autoritário, sem ouvir os profissionais da educação, estudantes e responsáveis (relembre aqui).
“Se o projeto de lei for aprovado, o governo vai aplicar de cima para baixo, determinando autoritariamente e diferente de outras vezes onde se tentou ter um debate. Quando houve o debate, conseguimos apresentar nossos argumentos e as comunidades escolares entenderam que de fato seria um prejuízo muito grande assim como as escolas cívico-militares que está acontecendo agora, várias que foram transformadas no final de 2023, estão arrependidas porque tudo que foi falado, vendido pelo governo, não foi entregue, as escolas estão em péssimas condições”, assinala.
“Em 2022, ele tentou aprovar a terceirização da gestão, mas houve rejeições e agora fala que terá um modelo democrático, mas tomara que não seja um modelo democrático falso da escola cívico-militar que ele criou”, reforça Chiorato.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.