Já maioria entre a categoria, funcionários terceirizados não terão direito a voto
Funcionários terceirizados de escola não poderão se manifestar sobre a venda das escolas estaduais no Paraná. É o que estabelece Decreto nº 7235, publicado pela SEED (Secretaria Estadual de Educação), em setembro último.
Segundo os artigos 26 e 27, durante consulta pública prevista para a implementação do programa “Parceiro da Escola”, terão direito ao voto “responsáveis legais de estudantes regularmente matriculados nas escolas selecionadas, alunos com 18 anos completos até a data da consulta, docentes e funcionários pertencentes ao quadro de servidores da instituição, exceto terceirizados”.
Ocorre que a maioria da categoria é formada por trabalhadores intermitentes. Segundo Elisabete Eva Almeida Dantas, representante da Secretaria de Funcionárias e Funcionários da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná), as escolas estaduais concentram, hoje, aproximadamente 35 mil funcionários, sendo 20 mil terceirizados e 15 mil concursados.
Em 2020, Ratinho Júnior extinguiu uma série de cargos da administração pública, entre eles os de agente educacional I e agente educacional II (Lei nº 20.199). Desde então, os funcionários de escola são substituídos por profissionais contratados por empresas. Os lotes com os Núcleos Regionais de Educação são disputados em pregões eletrônicos.
“Em 29 de abril de 2020, em plena pandemia de Covid-19, e em um dia muito expressivo para a gente, que foi quando teve o massacre, em 2015, o governo do Paraná extinguiu o cargo do QFEB [Quadro de Funcionários da Educação Básica] do estado do Paraná, que são os educadores profissionais preparados, com formação, muitos de nós já temos graduação, pós-graduação, mas ele extinguiu o cargo e começou, então, a lei da terceirização”, compartilha Dantas.
A liderança classifica a decisão como mais uma arbitrariedade da gestão Ratinho Júnior. “O governo do estado, mais uma vez, se mostra autoritário. É um absurdo que esses funcionários não possam votar e escolher o que é melhor ou não para a escola”, avalia.
Conforme anunciado pelo Portal Verdade, a divulgação do programa, que pretende repassar a gestão de 179 escolas estaduais para iniciativa privada, tem sido marcada por uma série de ilegalidades.
Proibição da participação de dirigentes sindicais, lideranças comunitárias e estudantes, negação do direito ao contraditório e uso da fala nas reuniões, ausência de transparência e publicidade sobre o dia e pauta das reuniões foram alguns dos abusos identificados (relembre aqui).
“É um cerceamento mesmo. O governo tem a maioria, mais de 20 mil terceirizados nas escolas, eles não podem opinar, não podem votar, ficando assim na decisão do governo. Ainda, tem mais essa história do quórum, se a gente tivesse esses funcionários votando, poderia ainda dar um aumento no quórum, mas o governo mais uma vez se mostra autoritário, dono da verdade. Ele está disposto a fazer qualquer coisa para que essas empresas possam administrar a escola. E a gente sabe que esse projeto, na verdade, é uma grande mentira que o governo vem plantando em toda comunidade escolar”, acrescenta.
Também segundo o regulamento, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente.
Ainda, Dantas evidencia a exclusão dos estudantes do processo de consulta pública. “A gente vê que o governo é um grande carrasco, fazendo isso com o funcionário que está dentro da escola, também com os alunos acima de 16 anos que não pode votar, se esse aluno hoje pode eleger prefeito, presidente da República, governador, por que não poder votar na escola em que ele que participa, que está no dia a dia? Então, é um absurdo, mais uma vez, desse governo autoritário”, assinala.
Aumento da precarização
Uma das principais preocupações da APP-Sindicato é a intensificação da precarização do trabalho, condição que atinge a categoria. Atualmente, os funcionários de escola recebem salários extremamente baixos e falta de incentivo de qualificação.
“Os terceirizados ganham uma mísera de salário, tem uma bolsa alimentação para poder complementar o salário. Esses funcionários não têm direito a uma profissionalização, eles não têm culpa nenhuma, mas possuem um preparo específico para cuidar dessas crianças, para trabalhar em uma escola”, pontua a docente.
O holerite de uma auxiliar de serviços gerais, documento a qual o Portal Verdade teve acesso, trazia como salário-base R$ 1.129,12 para jornada de 40 horas semanais. O valor é inferior a um salário-mínimo.
De acordo com a professora, a falta de políticas de valorização da carreira também leva a alta rotatividade dos trabalhadores que buscam por melhores oportunidades, afetando, assim, a criação de vínculos com a comunidade escolar.
“Nós vemos que, hoje, a maioria dos funcionários de escola são terceirizados, funcionários que não têm raiz na escola. Acabam sendo transferidos, saindo, por ganharem pouco, então, são funcionários que não têm um vínculo total com a escola porque não ficam por muito tempo”, adverte Dantas.
Ainda, ela reforça que, como os funcionários serão admitidos via regime celetista a APP não poderá representá-los, tornando-os ainda mais suscetíveis a rotinas de trabalho degradantes.
“A gente sabe que empresário quer é lucro e vai acabar que esses funcionários vão ficar novamente longe da proteção da APP. Se os nossos governantes realmente cumprissem o seu papel, não precisaria do Sindicato ficar reivindicando os seus direitos, buscando junto aos nossos governantes o direito de poder ter um salário digno, uma profissão digna que possa ser boa para todos e todas”, analisa.
TCE suspende programa
Conforme informado pelo Portal Verdade, na última sexta-feira (15), o TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) suspendeu as novas contratações para o programa “Parceiro da Escola”.
O pedido de medida cautelar foi protocolado pelo deputado estadual Professor Lemos (PT), que alegou ausência de estudos técnicos e violações à Constituição Federal. Entre as irregularidades, o conselheiro sinalizou a ausência de garantia ao fornecimento de alimentação adequada aos alunos e a possibilidade de contratação de profissionais sem concurso público.
A medida cautelar foi concedida pelo conselheiro do TCE, Fábio Camargo, que também determinou que a ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) fiscalize os contratos.
Atualmente, o projeto-piloto está em andamento no Colégio Anita Canet, em José dos Pinhais. Segundo denúncias da deputada estadual Ana Júlia Ribeiro (PT), a empresa Apogeu Mágico, que administra a escola, recebeu R$ 6 milhões do governo do Paraná sem prestar contas.
A segunda unidade em que o programa já está implementado é o Colégio Anibal Khury, em Curitiba. As terceirizações das duas escolas foram feitas por meio de decreto, em dezembro de 2022, sem passarem pela ALEP (veja aqui).
Mesmo com a suspensão, a SEED permanece divulgando os supostos benefícios do programa, a exemplo de matéria publicada nesta última segunda-feira (18), em que apresenta resultados de uma pesquisa encomenda pela pasta ao Instituto Paraná Pesquisas, sobre a aprovação da medida entre os paranaenses.
O programa “Parceiro na Escola” foi instituído pela Lei nº 22.006/2024, aprovada em junho deste ano, durante greve dos trabalhadores da educação. Os deputados ala governista votaram em seus gabinetes, de forma remota, depois que servidores ocuparam as galerias na ALEP para pedir a suspensão da votação.
O projeto permite a terceirização de serviços como limpeza, segurança, gestão administrativa e abre a possibilidade para que as empresas contratem professores e demais funcionários sem concurso público.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.