A entrada do Teatro Municipal Zaqueu de Melo e da Biblioteca Municipal de Londrina amanheceram com marcas de fogo na manhã desta segunda-feira (13). Moradores do entorno acreditam que o fogo foi provocado por pessoas em situação de rua e voltam a reclamar da presença deles e de ações que fortalecem a permanência na região.
Uma das possibilidades é que o fogo tenha sido aceso para aquecer desabrigados. Por outro lado, pessoas em situação de rua teriam acusado, a assistentes sociais, os moradores da comunidade de terem iniciado os pequenos incêndios como forma de retaliação pela permanência deles no Centro Histórico.
Os fogareiros foram acesos na rampa de acesso à biblioteca, na entrada do teatro – desativado desde 2017 – e no cruzamento da Rua Senador Souza Naves com a Alameda Manoel Ribas, na parede externa do Centro de Referência para IST (infecções Sexualmente Transmissíveis), Hepatites Virais e Tuberculose. Este último, entretanto, não teria ocorrido nesta madrugada, conforme o advogado e síndico do edifício comercial Júlio Fuganti, Luiz Henrique Freitas.
O ponto mais chamativo é a entrada do Zaqueu de Melo, onde as fuligens tomaram conta de toda a entrada e o fogo chegou a danificar o piso. Já na entrada da Biblioteca Municipal, o calor danificou o piso tátil da rampa de acessibilidade. Entretanto, neste caso, há a preocupação no descontrole do fogo para dentro do imóvel, lotado de livros, que são altamente inflamáveis.
O bombeiro Rene Bortolassi alerta para o risco de criar focos de incêndio. Segundo ele, mesmo que para uma necessidade básica, como aquecimento em relação a uma baixa temperatura, seria necessário procurar um local adequado, porque, próximo a uma edificação, principalmente uma antiga, como são o Teatro Zaqueu de Mello e a biblioteca, há um risco muito grande. “Não existe controle nenhum sobre esse fogo ou foco de incêndio e, se acaba atingindo algum material combustível, pode tomar proporções gigantescas”, explica.
Embora tenham restado os vestígios do fogo, não houve registro de reclamação na Polícia Militar ou no Corpo de Bombeiros – responsável pela guarda do patrimônio público, a GM foi procurada, mas, não se manifestou.
Em março de 2023, o Bonde publicou reportagem sobre um colchão incendiado na Rua Senador Souza Naves, nos arredores da Concha Acústica, outro lugar utilizado como refúgio para pessoas em situação de rua, já ressaltando o conflito com os moradores do Centro Histórico.
Disputa por espaços e comida
Claudemir Ferraz, vendedor de uma loja de instrumentos musicais localizada em frente ao Centro de Referência da Saúde, diz não haver problema de insegurança em relação às pessoas em situação de rua em horário comercial. Entretanto, os problemas começam quando anoitece e há distribuição de comida por parte de instituições, porque provoca sujeira na frente do estabelecimento comercial, assim como em dias chuvosos.
“Quando chove, eles ficam amontoados sob a marquise, atrapalhando o acesso nosso e dos clientes. Quando fechamos a loja, os voluntários vêm e distribuem alimentos. A culpa não é dos moradores, mas dos ‘caras’ que trazem comida aqui”, relata Ferraz.
O vendedor relata incômodos, também, quando há eventos na loja no período noturno. “As pessoas ficam com receio de entrar na loja devido àqueles em situação de rua, que atrapalham o acesso. Tanto que, quando tem eventos, contratamos segurança particular para fiscalizar por aqui”, explica.
Advogado e síndico do edifício comercial Júlio Fuganti, na rua Senador Souza Naves, diz que o problema com as pessoas em situação de rua já é antigo, principalmente porque as entidades que distribuem comida fizeram do prédio um ponto de distribuição.
“Nós entendemos a importância desse trabalho, mas, como a distribuição de marmitas é feita aqui, às 18h30 as pessoas em situação de rua já começam a se aglomerar e começamos a ter um problema muito sério com sujeira, com o pessoal fazendo necessidades na calçada. Mas, além disso, fica um pouco de insegurança também.”
O advogado afirma que já teve partes da estrutura do prédio danificadas, brigas em frente ao prédio e até mesmo situações de assédio contra mulheres que alugam salas comerciais e saem um pouco mais tarde do horário comercial. Com essa situação, diz, possíveis locatários que visitaram salas no período noturno já desistiram do negócio, o que gera, além de tudo, uma desvalorização dos imóveis da região.
O síndico ainda argumenta que não tem como abordar as pessoas que distribuem comida, porque não sabe que tipo de retaliação pode sofrer. Para ele, uma solução seria passar a distribuição para o Centro Pop, um local especializado para pessoas em situação de rua, localizado na rua Dib Libos, 25, próximo ao Shopping Boulevard.
A presidente da Concha – Associação dos Amigos e Moradores do Centro Histórico de Londrina, Iara Hernandes, lamentou o estrago nos prédios históricos. “No teatro, a coisa ficou bem feia, porque acabou com parte do piso, que é antigo e irrecuperável”, avalia.
De acordo com ela, embora ocorra uma ação conjunta das secretarias de Assistência Social e Saúde e da Guarda Municipal com o intuito de encaminhar moradores de rua para a promoção social, há pouco reflexo à noite – período em que ocorre a distribuição de alimentos.
Mas, Iara ressalta que a doação de roupas e outros objetos também favorecem a manutenção dessas pessoas nas vias. “É [resultado] dessa distribuição indiscriminada de comida, de colchões, tudo aqui no nosso entorno. [O Centro Histórico] É um ponto de referência para distribuição”, ressalta. “Devia haver um local específico para a distribuição de alimentos”, avalia.
Sobre a suposta acusação dos moradores de rua a assistentes sociais, Iara se diz “horrorizada”. “Só falta o Serviço Social querer virar a situação contra. Nossos direitos estão sendo restritos em benefício de uma minoria que, provavelmente, sequer são de Londrina”, rebate.
Doações têm de ter propósito de reabilitação
A secretária da Assistência Social de Londrina, Jaqueline Micale, afirma que a distribuição de alimentos, por si só, é uma prática que favorece a mendicância e a permanência nas ruas, mas, afirma que a pasta não tem poderes para proibir esta ação. “Estamos atendendo pessoas em situação de rua para que entrem na trilha da cidadania. A questão da alimentação na rua, não podemos obrigar alguém a não fornecer”, esclarece.
Três vezes por semana, funcionários da secretaria fazem ações de conscientização com comerciários para desestimular o fornecimento de comida e considera que a própria associação deveria, também, conscientizar os moradores a não fazerem doações de comidas ou utensílios.
Desde outubro, a pasta mantém o ponto de apoio “Nova Trilha”, em frente ao Centro Pop, como forma de garantir um local apropriado para oferta de refeições de forma organizada, segura e higiênica pela Sociedade Civil, donos de estabelecimentos e igrejas, entre outros.
Já em relação à ação integrada entre as secretarias e a GM, Jaqueline explica que é a forma mais eficaz para encaminhar as pessoas em situação de rua, uma vez que a maioria não aceita ações de acolhimento por conta do abuso de drogas. Quando é este o caso, explica a secretária, é necessária, antes, uma intervenção de saúde para que possa iniciar a desintoxicação como forma de iniciar a trilha para recuperação da dignidade e cidadania destas pessoas.
Fonte: O Bonde