Líderes religiosos aderem à campanha eleitoral e geram inconformismo em fiéis
A professora da rede municipal Renata Miranda de Araújo está procurando uma igreja para chamar de sua em Londrina. Assim como muitos cristãos, ela se sente incomodada com o fato de os pastores estarem em campanha aberta pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Está bem difícil encontrar um lugar”, diz a professora que, recentemente, deixou a Igreja Batista por discordar da postura do pastor. De cima do púlpito, o líder religioso havia convocado os fiéis a participarem de uma manifestação contrária ao Supremo Tribunal Federal (STF), organizada por bolsonaristas. “É uma coisa muito séria, uma grande irresponsabilidade”, critica.
De acordo com a última pesquisa Datafolha, divulgada no dia 9 de setembro, Bolsonaro tem 51% das intenções de voto entre os evangélicos contra 28% do ex-presidente Lula (PT) – cenário contrário ao do conjunto do eleitorado, no qual eles tinham respectivamente 34% e 45% na referida pesquisa.
Em algumas igrejas, o clima está ficando tenso. No dia 2 de setembro, um policial militar deu um tiro na perna de outro fiel dentro da Congregação Cristã do Brasil (CCB), em Goiânia. A briga começou após a vítima questionar o pastor que conclamava o público a votar contra a esquerda. O policial é um militante da campanha de Bolsonaro.
De acordo com a professora londrinense, a CCB, frequentada pela família dela, “não tem pastores, mas líderes, que pregam e não podem estar envolvidos com política. E sempre foi extremamente permissiva em relação às escolhas políticas”.Mesmo assim, no mês passado, a Congregação divulgou nota orientando os fiéis a não votarem em candidatos contrários aos valores cristãos e à família tradicional. Para Renata, trata-se de uma “indução subjetiva” de apoio a Bolsonaro. “Eu nunca vi candidato ser contra família”, alega.
Há pouco tempo, a professora começou a frequentar uma igreja Presbiteriana na Avenida Saul Elkind, na qual ela espera que os fiéis tenham sua liberdade político-eleitoral respeitada. Mas sabe que a campanha pela reeleição de Bolsonaro corre solta em outras comunidades da mesma denominação. E não é de hoje. Em 2020, durante culto na Presbiteriana Central, um pastor chegou a convocar os fiéis a aderirem ao Aliança Brasil, partido político que o presidente tentou criar e não conseguiu.
Outro caso que ganhou repercussão ocorreu dia 29 de setembro, durante um culto no Colégio Batista de São Paulo. O pastor convidou candidatos bolsonaristas a se apresentarem e foi repreendido por um fiel. Entre os políticos estava o ex-ministro Marcos Pontes, o astronauta, que é candidato ao Senado pelo PL naquele estado.
Malabarismos retóricos na igreja
A professora Renata acredita que Jair Bolsonaro é a antítese do cristianismo. Para ela, os líderes religiosos fazem malabarismos retóricos com o texto bíblico para justificar o apoio ao presidente. “É uma contradição absurda porque, em momento nenhum da história de Jesus, ele falou: vamos matar, vamos metralhar, vamos estuprar”, alega.
A mensagem bíblica, destaca a professora, é de paz, conciliação e misericórdia. Ela cita um trecho em que o apóstolo Pedro corta a orelha de Malco, um dos soldados que perseguiram Jesus. “Pedro foi repreendido pelo próprio Cristo, que restaurou a orelha do soldado”, conta.
Ruptura com os poderes
Pastor da congregação Igreja do Caminho, da Igreja Presbiteriana do Brasil, Jonathan Menezes não se conforma com o uso eleitoral da religião. “Jesus propôs que o Reino de Deus é uma ruptura com os poderes, até para que pudesse falar em favor daqueles que não têm voz, sem rabo preso com ninguém, sem ter que beijar a mão do imperador”, justifica.
Apesar de discordar das ideias bolsonaristas que, no entendimento dele são contrárias ao Cristianismo, Menezes não usa o púlpito para defender esse ou aquele candidato. No período eleitoral, mais que nunca, ele alega buscar o exemplo de Jesus, que “soube administrar muito bem as relações entre os apóstolos, que tinham posições sociais e ideológicas muito distintas entre eles”.
Mas ele não deixa de se posicionar diante das contradições. “Quando vejo um cristão com discurso de ódio ou defendendo armamento eu me pergunto: Cadê o Jesus dos Evangelhos? Que Jesus é esse no qual esse povo crê e segue?”
Para Menezes, é difícil compreender como pessoas religiosas podem defender ideias tão distintas. “Defendo a moral da família, mas aplaudo o presidente quando ele se diz imbrochável. Digo que sou pró-vida, mas aplaudo quando ele diz que bandido bom é bandido morto”, questiona, apontando as contradições.
O pastor diz ter a sensação de que as igrejas estão vivendo uma espécie de sonambulismo. “Só assim para explicar que endossemos falas violentas, odiosas, como a do presidente e de seus correligionários. Não faz o menor sentido do ponto de vista daquilo que entendemos como fé cristã por meio dos evangelhos.”
E cita um trecho de Mateus para definir a situação. “Estamos coando mosquitos e engolindo camelos.”
Para Menezes, o marketing do governo vem sendo eficiente em explorar determinados valores dos evangélicos e em convencer os mais conservadores. O slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” seria um exemplo desta eficiência. Mas, na visão dele, trata-se de um texto “politicamente canalha e teologicamente equivocado”.
Demitido por ‘pensar diferente’
Demitido da Igreja Batista em 2018, o pastor Raimundo Soares é bastante crítico ao movimento evangélico. Para ele, o bolsonarismo infiltrado nas igrejas é apenas uma face de algo que está muito errado. Soares alega que o “protestantismo ou evangelicalismo” cresceu de forma acelerada no Brasil a partir do século 20. E talvez, por isso, vem apresentando distorções.
O pastor compara determinados líderes religiosos a latifundiários. “O donatário de um latifúndio olha para sua propriedade e conta os seres humanos como um produto, como um curral. O pastor precisa evitar esse problema”, aconselha.
Integrante de um grupo que pesquisa a religião na UEL, Soares diz que o Cristianismo é um “fato” e que o evangelismo, uma “notícia do fato”. “O Cristianismo é o amor ao semelhante, a justiça, a honra, a inclusão. Nós estamos deixando o fato de lado e nos preocupando mais com a notícia”, filosofa.
Soares considera que a ética cristã está em falta em muitas igrejas. “Temos pessoas que ficam riquíssima em pouco tempo, vendendo o evangelho como produto”, aponta.
Por outro lado, o protestantismo sempre teve valores morais muito arraigados. E os políticos vêm sabendo utilizar desses valores. “O Bolsonaro foi muito criativo em se apropriar disso.” Mas o rebanho não é uma massa homogênea. Os mais pobres estão preocupados em buscar uma vida melhor. E tendem a votar com mais pragmatismo.
O pastor diz que foi demitido por “pensar diferente”. “Não conseguiram compreender minha linha de raciocínio.” Mas não abandona a religião e segue frequentando a Igreja Batista da Vila Nova. “Nem tudo está perdido. Há muita gente consciente de seu papel.”
Ao final da entrevista para a Rede Lume, ele recomendou a leitura do início do Salmo 37: “Não se aborreça por causa dos homens maus e não tenha inveja dos perversos; pois como o capim logo secarão, como a relva verde logo murcharão.”
Fonte: Nelson Bortolin, Rede Lume