Na última terça-feira (8), a chefe do NRE (Núcleo Regional de Educação) de Londrina, Jessica Pieri, concedeu entrevistas à CBN e RPC Londrina (veja aqui), sobre o programa Parceiro da Escola, proposto pelo governador Ratinho Júnior (PSD) e aprovado pela ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná), em junho deste ano, com caráter de urgência mesmo sob grande rejeição popular (relembre aqui).
A iniciativa permite que a administração de pelo menos 204 escolas estaduais – aproximadamente 10% de toda rede pública – seja repassada para iniciativa privada. Ou seja, a medida autoriza que diversos serviços hoje prestados pelo estado como segurança, limpeza, oferta de merenda, contratação de professores e funcionários passem a ser desenvolvidos por empresas particulares.
Em Londrina, cinco escolas foram selecionadas para consulta pública que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Professora Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Estadual Doutor Willie Davids e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira.
O Portal Verdade checou as declarações e as repercutiu com a presidenta da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná), professora Walkiria Mazeto.
“É importante a gente trazer informações sobre temas que foram destacados nestas entrevistas e que não são verdadeiros ou que não são exatamente como foram apresentados pela chefe do NRE e outros representantes do estado”, pontua.
Confira:
Aulas vagas
Durante as entrevistas, Pieri afirma que nas escolas que aderirem ao programa Parceiro da Escola “haverá sempre substitutos para os professores” e, portanto, “não terão aulas vagas”.
Mazeto destaca que, primeiramente, é importante compreender quais fatores levam a ocorrência de aulas vagas. “Temos situações emergenciais que acontecem, por exemplo, estar indo ao trabalho e furar o pneu do carro, ou seja, acontece algum imprevisto e o trabalhador não consegue chegar no horário, no turno ou acaba passando mal e tem de procurar atendimento médico. Estas são situações mais corriqueiras que acontecem em qualquer ambiente de trabalho e também nas escolas”, diz.
Como pontua a docente, no caso dos colégios, a ausência de um professor tem um impacto grande porque há um número significativo de estudantes a espera para que a aula seja ministrada. Diante disso, ela indica que a APP tem travado um debate com a SEED (Secretaria Estadual de Educação), há muitos anos, para que nas escolas tenham profissionais de plantão a fim de atender os estudantes quando ocorrer imprevistos.
“Até 2023, em algumas escolas integrais, o estado permitia que professores pudessem estar nas escolas, que fossem contratados para auxiliar os estudantes na parte pedagógica e na ausência de um professor por algum imprevisto, este profissional que já estava na escola faria a substituição”, explica.
Porém, esta situação é diferente da prevista pelo Parceiro da Escola. De acordo com a proposta, será um licenciando, ou seja, um professor ainda em formação que acompanhará os estudantes para que eles não sejam dispensados, mas isto não significa que terá aula. O edital prevê que a função será desempenhada por tutores sem necessariamente qualificação na área.
“No programa será um acadêmico, ou seja, alguém que está estudando para ser professor que irá acompanhar os alunos. Quando um professor falta, ele recolhe os estudantes em sala e cuida destes estudantes para não que não fiquem no pátio ou para que não sejam dispensados mais cedo, isso não quer dizer que tenha aula para este estudante. Aquele profissional não é o professor da disciplina, e ele não vai ministrar uma aula, ele simplesmente vai recolher os estudantes em sala para que eles não fiquem no pátio, eles terão, sim, aula vaga. Para isso não precisa pagar para uma empresa, o estado já sabe fazer isso porque já vinha fazendo nas escolas integrais e parou”, adverte.
Ainda, Mazeto pontua que se um professor ou funcionário de escola pega um atestado de mais de quatro dias, ele precisa passar por uma perícia para verificar se será concedido afastamento ou não. “Isso demanda um tempo e a SEED não manda substituto enquanto não tiver resposta da perícia ou mesmo tendo resposta da perícia do afastamento do profissional, é muito comum a demora da SEED para substituir um professor que esteja em afastamento médico. Tudo isso poderia ser sanado com mais profissionais nas escolas ou mais horas contratadas de professores e funcionários para que possam atender estes estudantes”, assinala.
Uniformes
Outro ponto levantado pela chefe do NRE – Londrina durante as entrevistas versa sobre a distribuição de uniformes. Segundo ela, os estudantes “poderão escolher o modelo dos próprios uniformes”.
Mazeto indica que, atualmente, a gestão Ratinho não fornece uniformes gratuitos para os estudantes das escolas estaduais. Em média, as camisetas são vendidas pelo valor de R$ 35 cada.
A professora destaca que a SEED está fechando uma licitação para aquisição de uniformes contemplando, inclusive, escolas que estão na listagem para adesão ao programa Parceiro da Escola. “Se o estado já esta comprando uniforme agora, esses empresários não precisarão comprar, porque os estudantes já terão uniforme fornecido próprio estado”, sinaliza.
A docente compartilha também que o governo estadual distribui uniformes para alunos de escolas integrais. Ela explica que para a APP-Sindicato, a prática é considerada “discriminatória”, já que trata de maneira desigual as comunidades escolares.
“Se o estado tem condições de fornecer uniforme para um conjunto de escolas, para um grupo de estudantes, ele consegue fazer isso para a rede inteira. Entendemos que este é um processo de discriminação já que o estado fornece uniforme para algumas escolas e outras não, por um critério do próprio estado. O dinheiro que pagamos de impostos é o mesmo e todo mundo paga o mesmo valor”, observa.
“Hoje, o uniforme não é gratuito, mas é possível que o estado forneça e temos uma desculpa que vai passar para uma empresa para comprar mais barato, não vai fazer milagre com o dinheiro, sabemos disso. O estado consegue comprar por um preço muito mais barato do que uma empresa, então, não tem a necessidade de vender a escola para o empresário que vai assumir a escola comprar uniforme”, evidencia.
Salários mais altos
Também durante as entrevistas, Pieri sugeriu que os professores admitidos poderão “ganhar mais” do que o salário atual. Mazeto classifica a declaração como “mentirosa”.
“O custo maior para qualquer empresa é a folha de pagamento. Qualquer empresário sabe que o mais pesado é o folha de pagamento. O que tem acontecido nas escolas que já tem o programa funcionando é que a empresa vai forçando os professores que são concursados a saírem da escola porque cada concursado que fica, o estado continua pagando o salário dele e, então, não repassa aquela fatia de dinheiro para a empresa”, alerta.
Desde 2023, programa Parceiro da Escola funciona em duas escolas são elas: Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais, e Colégio Estadual Anibal Khury, em Curitiba.
“Se a empresa força aquele professor a sair, o estado tem que repassar dinheiro para contratar outro professor pelo salário inicial, nas regras da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e o professor recebe menos mesmo em comparação aos professores com contrato temporário, porque o PSS [Processo Seletivo Simplificado] por mais que seja um contrato temporário, segue as regras da carreira pública e quando a empresa vai fazer a contratação segue as regras de uma carreira CLT”, analisa.
Conforme informado pelo Portal Verdade, atualmente, o Paraná possui cerca de 20 mil professores temporários para atender os ensinos fundamental e médio. Em setembro último, a SEED aplicou prova para seleção de novos docentes temporários mesmo com mais de 7 mil profissionais aguardando nomeação após classificação em último concurso público (acompanhe aqui).
Desde 2018, ou seja, a partir do primeiro mandato de Ratinho, o número de professores concursados tem caído ano a ano no estado. Naquele ano, eram 47.899 profissionais. Em 2023, o índice chegou a 37.938 professores concursados, ou seja, redução de quase 10 mil trabalhadores.
Mazeto chama atenção para as consequências da falta de estabilidade, que além de afetar a categoria, provocando adoecimento em massa, também interfere na qualidade do ensino oferecido aos estudantes. “O que vimos em uma das escolas, foram muitas reclamações dos pais sobre a grande rotatividade de professores. Não sabem até quando aquele professor vai continuar, começa um professor, daqui a pouco para e entra outro. Esta rotatividade prejudica a aprendizagem dos alunos”, reflete.
Consulta pública
Outra declaração dada pela chefe do NRE – Londrina durante as entrevistas diz que o “governador Ratinho é democrático e irá respeitar o sim ou não” durante a consulta pública.
Porém, a fala diverge do Decreto nº 7.235, publicado em setembro, responsável por estabelecer que nas escolas em que o comparecimento de votantes for inferior ao determinado pela SEED, quem decidirá se a unidade será privatizada ou não será a própria pasta e não a comunidade escolar (relembre aqui).
“O estado está dizendo que para vender a escola, os pais precisam concordar com isso. Então, terá um momento em que os pais serão chamados a votar se querem ou não que o programa seja implantado naquela escola, que seja repassado para uma empresa que vai explorar os recursos, o dinheiro público, é como se a escola fosse uma mercadoria. O estado vai perguntar: pai, você permite que eu venda a escola no balcão de negócios para alguém ganhar dinheiro com essa escola?”, complementa Mazeto.
A professora explica que em outras consultas públicas, o estado respeitou os resultados. Ainda, nas situações em que não houve quórum suficiente, não foram realizadas alterações pela SEED.
“Mas desta vez, como o estado quer muito vender nossas escolas e com medo de que as pessoas não vão votar, ele disse ‘bom, eu vou perguntar, mas se as pessoas não forem, eu vou decidir sozinho mesmo’. Isto para nós é um autoritarismo, é ilegal e imoral. A escola não é do governador, não é do secretário, eles não podem definir sozinhos o que vão fazer das escolas”, desabafa.
“Essa declaração dada pela chefe do Núcleo de que o Ratinho é democrático e vai respeitar ‘sim’ ou ‘não’, a gente espera que realmente isso aconteça porque o Decreto infelizmente autoriza o secretário a decidir caso a comunidade não vá votar, por isso temos ido conversar com todos os pais em todas as comunidades que podemos, para que eles participem, e se caso não der o número de pessoas para validar a consulta, que a gente exija que nada seja alterado”, ela acrescenta.
Em julho, durante 14º Congresso Estadual da APP-Sindicato foi lançada a campanha “Não venda a minha escola”. Desde então, em diversas cidades do Paraná, representantes da entidade têm visitado as comunidades escolares selecionadas para discutir os impactos da privatização.
Neste segundo semestre, a Escola de Formação da APP também está com inscrições abertas para o curso cuja finalidade é debater a terceirização das escolas públicas no Paraná (saiba mais aqui)
“Vamos continuar a luta para não vender as nossas escolas e para que a gente tenha uma educação pública cada dia melhor porque temos problemas que podem ser resolvidos pelo estado e não precisa dar uma fatia do nosso dinheiro em forma de lucro para um empresário dizer que vá resolver, porque a gente sabe que não resolve”, finaliza Mazeto.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.