Um estudo multicêntrico recentemente publicado pela revista científica Biomedicine and Pharmacotherapy chamou a atenção. O trabalho, com um desenho estatístico bem feito, demonstrou o que já se percebia empiricamente: o uso de Hidroxicloroquina em pacientes internados aumentava a mortalidade. O estudo demonstrou um aumento 11% o número de mortos (17 mil mortes) por Covid-19, durante a primeira onda da doença em 2020. Ou seja, a Cloroquina causou muitas mortes.
Participaram desse estudo 6 países (Bélgica, França, Itália, Espanha, Turquia e Estados Unidos) trazendo um amplo espectro sobre as internações. Vale lembrar que as estimativas internacionais mostram que, do início da pandemia até 2023, 764 milhões de pessoas contraíram a doença e houveram 7 milhões de óbitos. Uma guerra sem tamanho!
As complicações relacionadas ao uso da Cloroquina foram associadas principalmente a arritmias cardíacas e também lesões hepáticas. O que esse estudo mostrou, com muita clareza é que o negacionismo científico não é só um discurso político. Ele é mortal.
Só relembrando como se iniciou esse erro. Um infectologista francês chamado Didier Raoult, logo no início da pandemia, publicou um trabalho sem qualquer rigor, com um número muito pequeno de casos, afirmando que Cloroquina seria eficaz contra a Covid-19. Isso, logo no início da pandemia despertou esperanças (infundadas) de cura da doença.
A informação errada (ele próprio reconheceria a ineficácia da droga) espalhou-se pelo mundo com rapidez assustadora, semeando uma confusão como pouco se viu. Mas, tem um outro aspecto grave e que não está resolvido. Essa enorme corrente de desinformação atingiu de forma muito séria a própria prática da medicina.
A propaganda em massa de conceitos errôneos transformou a boa e velha ciência em identidade política. Algo absurdo, mas corrente, que funciona mais ou menos assim: se sou direita uso Cloroquina e não me vacino! E isso, infelizmente, contaminou várias entidades médicas que deveriam preservar as boas práticas da profissão. Elas, as organizações, foram tomadas por um partidarismo inconsequente e barulhento. Agora começa a aparecer em números o resultado nefasto dessas ações.
A restauração da autoridade da ciência como balizadora de ações de saúde (e de outras áreas, claro) não será fácil. A eficácia da saúde pública depende, em grande medida, de informações claras, simples e seguras para atingir o maior número de pessoas. As fake news são extremamente perigosas justamente por semear a dúvida sem fundamentos e confundir a população. Essa não é uma confusão banal. Ela é mortal.
É nesse sentido que a sentença da sabedoria antiga ganha enorme importância: Primeiro, não prejudicar.
Texto: Dr. Marco Antônio Fabiani, cardiologista