Nota do Departamento de Literatura e Linguística repudia plataformização do ensino de língua portuguesa
Professores do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR) redigiram uma nota pública de repúdio ao método de ensino de Língua Portuguesa que vem sendo adotado pelo governo Ratinho Jr. (PSD) no Paraná. A “plataformização” do ensino, com uso obrigatório de sistemas digitais, é vista pelos professores como redutora e homogeneizadora.
O texto é assinado pelo Departamento de Literatura e Linguística da UFPR, que reúne os professores da área de linguística e língua portuguesa, responsáveis pela formação de novos professores por meio dos cursos de licenciatura.
A nota denuncia vários problemas do sistema, que vão desde a obrigatoriedade das plataformas, passando por um modelo de correção que remete “à Wikipedia e a blogs duvidosos” e chegando a um esvaziamento da importância do professor e dos livros em sala de aula.
A plataformização vem sendo seguidamente denunciada pelos professores da rede estadual de ensino e pela APP, sindicato que representa a categoria. Pesquisa feita com os professores mostrou que o sistema de plataformas, somado às metas impostas pelo governo, leva 91% dos profissionais de educação a se sentirem sobrecarregados.
Na última semana de agosto, a APP chegou a promover um dia de boicote às plataformas digitais, que segundo o sindicato vem deteriorando as condições do ensino público no Paraná não só nas disciplinas de Língua Portuguesa e Redação, mas nas escolas como um todo.
Leia a seguir a íntegra da nota do Departamento de Literatura e Linguística da UFPR:
Nota de repúdio
O Departamento de Literatura e Linguística (DELLIN) da UFPR, como participante do processo formativo de professores de português no Estado do Paraná, vem a público denunciar o uso danoso das plataformas digitais no ensino de Língua Portuguesa nas escolas públicas do nosso estado.
As duas plataformas em funcionamento na disciplina de Língua Portuguesa são Leia Paraná e Redação Paraná. O Leia Paraná apresenta os mesmos poucos títulos para todo o Fundamental II e o Ensino Médio; os alunos leem na tela e respondem perguntas de múltipla escolha; as obras são adaptadas, condensadas, com pouquíssimos títulos de literatura brasileira, sugeridos somente para os que vão fazer vestibular. Como o uso da plataforma é obrigatório, a biblioteca escolar, muito mais rica e diversificada, fica abandonada. O Redação Paraná propõe modelos de redação a serem “treinados” pelos alunos, digitados na plataforma e corrigidos automaticamente, sendo os “erros” remetidos a sites como Wikipedia e a blogs duvidosos. O professor de redação faz uma segunda correção e dá aulas de digitação. A retirada da autonomia do professor, a padronização dos conteúdos e a homogeneização dos alunos avançam com aulas em vídeo e slides prontos, com a Prova Paraná e a plataforma “Quizizz” para lições de casa.
Esta não é apenas mais uma ferramenta disponível para o professor, que pode usá-la, ou não, conforme seu planejamento. Os professores e alunos são obrigados a usar as plataformas e sua utilização é contabilizada e vigiada através de um sistema de business intelligence (BI). Essa vigilância se transforma em pontuação e consequente “ranqueamento” de professores, expostos e cobrados pelas direções, que, por sua vez, sofrem a mesma pressão. Adicionalmente, o acesso às plataformas não é disponibilizado aos docentes de cursos de licenciatura, responsáveis pela formação dos professores da rede estadual de ensino.
Com essas constatações, o Dellin denuncia a completa precarização, o total descrédito e a consequente irrelevância atribuída à docência na educação pública no Paraná. Na plataformização do ensino de Língua Portuguesa, tal como implementada aqui, constatamos o fim da função, da autonomia e do trabalho do professor, o fim da formação de um leitor crítico e competente. Professor para quê? Curso de licenciatura para quê?
Fonte: Jornal Plural de Curitiba