O modelo de jornada de trabalho de quatro dias, ou quatro dias de trabalho e três dias de folga, vem sendo testado no País como parte do projeto piloto do programa 4-Day Week Brazil, que teve início este ano no País. Segundo o movimento global, já são quase 500 companhias pelo mundo testando a modalidade de jornada. Sylvia Hartmann, do grupo de pesquisa Gestão Estratégica e Internacional de Pessoas do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, analisa os cenários de aplicação da medida.
As propostas com relação à flexibilização da carga horária de trabalho vêm sendo feitas desde os anos 2000, mas só ganharam força no pós-pandemia. “Chamava-se essa proposta de semana comprimida de trabalho. Outras práticas eram também horário flexível, trabalho remoto etc. Depois de 2020, com o advento da pandemia e tantos profissionais do conhecimento migrando para o trabalho em suas casas de forma compulsória, essas formas novas de trabalho, que eram impensáveis antigamente por diversas razões, passaram a ser consideradas possíveis. Então, acho que a grande conexão entre a semana de quatro dias e outras formas de trabalho que se estabeleceram recentemente é a flexibilidade”, explica.
Otimização e eficácia
A especialista conta que a medida tem como premissa não só a flexibilização e diminuição da carga horária, mas a otimização dos processos das empresas para uma maior efetividade nos processos. “O que o projeto propõe é chamado de 100, 80, 100, então é 100% da remuneração, 80% do tempo, 100% de entrega. A premissa é que as pessoas aprendam a trabalhar melhor, mantenham a produtividade, para que isso não traga prejuízo para as empresas e as instituições. Para que isso funcione, o próprio projeto faz uma série de formações e capacitações com essas empresas envolvidas, então, até mais do que contratual, é uma questão de compromisso. Para que essa produtividade se mantenha, é claro que é importante melhores processos, reaprender a realizar trabalho de foco, existem várias formações para que as pessoas efetivamente trabalhem de forma mais qualitativa. E que esse tempo que deixa de ser trabalhado seja realmente um tempo de descanso.”
Segundo a especialista, os primeiros resultados do plano piloto brasileiro, realizado com cerca de 280 profissionais, são positivos: “60% dos profissionais observaram melhoria na execução dos projetos e 44% melhoria na capacidade de cumprir prazos. Isso é interessante, porque veja que são indicadores que levam à melhoria da produtividade do trabalho. O bem-estar teve realmente um ganho muito grande”.
Os números trouxeram que 82% dos trabalhadores no Brasil tiveram mais energia para realizar as tarefas; 67% na redução da ansiedade semanal. Também foi identificado o impacto positivo na saúde, então redução da exaustão frequente por 64% dos entrevistados, 50% na redução de insônia e também 78% de aumento de energia para família e amigos. Em linhas gerais, dentro desses indicadores que são propostos, porque a semana de quatro dias é realmente proposta para que as pessoas trabalhem melhor e com isso ampliem a sua qualidade de vida, se mostraram bastante favoráveis no primeiro relatório divulgado”, analisa.
Sylvia Hartmann afirma que, especialmente no Brasil, existe uma barreira cultural para a implementação mais ampla do projeto. Inicialmente, eu vejo que passa muito pela mentalidade de compreender que profissionais mais satisfeitos são mais produtivos e que o bem-estar e qualidade de vida contribuem com a produtividade e não o contrário. Em um estudo realizado em vários países em 2017, no Brasil em 2018, é trazido justamente que executivos e dirigentes ainda privilegiam resultados em relação a pessoas. Aqui no Brasil, esse número é acima dos demais países em aproximadamente 30%. Ou seja, existe um senso comum de que os resultados vêm antes das pessoas. Então, essa mentalidade com certeza atrapalha a implementação”, finaliza.
Fonte: Jornal da USP