Uma das principais medidas que se encontram na esteira de discussão do novo governo é a revogação da reforma trabalhista
Em 2022, diante de um cenário eleitoral considerado decisivo para os rumos da democracia brasileira, as principais centrais sindicais do país tomaram lado e se pronunciaram em defesa da candidatura de Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL).
Em campanhas virtuais e presenciais, as centrais sindicais se colocaram contra o projeto neofascista e neoliberal representado pelo ex-presidente Bolsonaro, e contribuíram com o processo político que culminou na terceira vitória eleitoral de Lula e na quinta vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) na presidência da república.
Em monitoramento realizado ao longo de 2022, nota-se que as nove principais centrais sindicais brasileiras – Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central Sindical Brasileira (CSB), Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), Central Sindical e Popular (CSP) – Conlutas, Intersindical (Instrumento) e Intersindical (Central) –, foram favoráveis à candidatura de Lula, embora de maneiras distintas.
As organizações da cúpula do sindicalismo brasileiro apresentaram notável variação quanto ao envolvimento político durante os períodos de pré-campanha e campanha do primeiro e do segundo turno, além de notável diferença quanto à proposição de medidas na plataforma política do novo governo.
Uma análise preliminar dos dados aponta que desde o início de 2022 a CUT realizou uma campanha pautada pelo desgaste da figura de Bolsonaro e por denúncias diversas sobre seu governo, ao passo em que divulgava notícias favoráveis sobre o histórico, os discursos recentes e a liderança de Lula nas pesquisas eleitorais.
Embora em menor intensidade, postura semelhante foi seguida pela FS e pela UGT, as outras duas maiores centrais sindicais brasileiras. Desta forma, as três centrais, desde janeiro de 2022, já sinalizavam campanha para Lula.
Defesa da democracia
As demais centrais sindicais foram se envolvendo com o debate eleitoral de maneira mais tímida. Parte se limitou ao discurso da defesa da democracia, com algumas trazendo elementos mais propositivos. Destaca-se que das centrais à esquerda – isto é, CSP-Conlutas, Intersindical (Instrumento) e a Intersindical (Central) – houve uma notável denúncia das diversas medidas antipopulares do governo Bolsonaro e seus acenos golpistas, com o voto em Lula sendo indicado somente às vésperas do primeiro turno ou entre o primeiro e o segundo turno. A defesa deste candidato era sempre alinhada à defesa da democracia.
Empossado em uma cerimônia muito emocionante, com a Esplanada dos Ministérios tomada por uma multidão em festa e vestida de vermelho, Lula fez um discurso defendendo, dentre diversos outros pontos, a ampliação da legislação social e trabalhista e a criação de medidas que geram emprego e renda – conteúdo que já era apresentado desde a pré-campanha como um compromisso, simbolicamente selado em um encontro de Lula e de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), com dirigentes sindicais em abril de 2022.
Dentre as principais medidas já tomadas pelo novo governo, destaca-se a reorganização do Ministério do Trabalho – que inicialmente foi extinto por Bolsonaro, em 2018, e anexado às competências do superministério da Economia, gerido pelo então ministro Paulo Guedes, e posteriormente recriado, em 2021, anexando o então ministro Onyx Lorenzoni.
Esse ato demonstra que a pauta do chamado “mundo do trabalho” terá espaço no novo governo. Resta sabermos, porém, o quanto de espaço terá e se, tendo espaço, para qual dos dois lados as novas medidas penderão majoritariamente no próximo período: se para a reversão dos últimos retrocessos e ampliação dos direitos sociais e trabalhistas ou para a flexibilização e rebaixamento desses direitos.
O novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), além de ser uma figura reconhecida no meio sindical, apresenta um longo histórico de militância e gestão pública. Marinho foi presidente da CUT e ocupou diferentes cargos na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, chegando a presidi-lo por três mandatos; além disso, foi prefeito por dois mandatos consecutivos em São Bernardo do Campo (SP) e ex-ministro dos ministérios do Trabalho e da Previdência Social.
Uma das principais medidas que se encontram na esteira de discussão do novo governo é a revogação da reforma trabalhista de 2017. Esta medida, que alterou diversas normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – representando grave rebaixamento dos direitos sociais e trabalhistas e aprofundando o processo de precarização social do trabalho, consonante com o programa neoliberal de Temer (MDB) e Bolsonaro –, foi criticada por Lula desde a pré-campanha e foi se apagando no discurso do petista ao longo do processo eleitoral. Empossado, o novo ministro do Trabalho agora fala em revogar a reforma de maneira fatiada, ou seja, sem reverter por completo todo o retrocesso cometido contra a CLT.
O grau de reversão das medidas contidas na reforma trabalhista de 2017 e o nível de melhoria e ampliação das novas legislações sociais e trabalhistas estão longe de depender apenas das vontades do novo governo. Dependem, sobretudo, do envolvimento dos agentes interessados nesta discussão, isto é, dos movimentos sociais e do sindicalismo, e de suas capacidades de negociação e pressão diante do novo governo.
E aqui se encontra o novo-velho desafio – novo porque se abre um novo contexto, mais favorável ao conjunto da classe trabalhadora, que sofre com uma profunda derrota desde o golpe de 2016; velho porque a história já nos trouxe algumas lições. Questionamos: de que forma o conjunto do sindicalismo, representado por sua cúpula, seguirá com o governo recém-empossado?
Os mandatos de Lula e Dilma (PT) nos deram lições importantes, dentre elas, que o ingresso na estrutura governamental e a criação de canais de diálogo institucional não são suficientes para a elaboração e a aprovação de medidas que representam os anseios das classes trabalhadoras, podendo, sim, permitir que haja retrocessos significativos em suas condições de trabalho. Ademais, que podem comprometer a autonomia política e impedir ou dificultar a pressão pelas bases em direção ao avanço nos direitos sociais e trabalhistas. Neste sentido, assumir uma postura que não recusa os acertos, mas que também não se furta à crítica e à luta pela ampliação dos direitos, de forma conectada às reais demandas da base da sociedade, seria a mais acertada.
Além do debate sobre a reforma trabalhista, a regulamentação do trabalho por plataformas digitais é uma polêmica que exige respostas urgentes. A primeira mobilização anunciada nesse momento inaugural do terceiro governo de Lula é justamente uma nova greve de entregadores por aplicativos. Reconhecendo que o cenário é mais favorável a suas demandas, esses trabalhadores reivindicam melhorias em suas condições de trabalho e vida e pedem que suas demandas sejam atendidas pelo novo governo.
Desafios
São muitos interesses a serem considerados por Lula e Marinho, pois acadêmicos, juristas e sindicalistas tendem a defender a regulamentação via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – ou seja, a formalização do trabalho –, enquanto as empresas pressionam para a manutenção da ausência de vínculo de emprego e o movimento da categoria, que abrange diversas associações e organizações não sindicais, pede algo híbrido – sem o vínculo empregatício, mas com a concessão de certos direitos.
Sem dúvida estamos com melhores condições para a luta do conjunto da classe trabalhadora e com maior possibilidade de diálogo e reivindicação. O novo governo se inicia com o alívio de que expurgamos Bolsonaro do maior posto político em nosso país, embora o movimento neofascista continue entranhado em nossa sociedade. Sabemos que a luta é necessária, e o sindicalismo poderá ser um agente político importante na transformação deste cenário e no alargamento da democracia. Esperamos que este agente apresente como prática política o que a história nos deu como lição em um passado não muito distante.
* Eduardo Rezende Pereira é doutorando em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e militante da Consulta Popular.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: Redação Brasil de Fato