Um novo governo assumiu o Executivo do Brasil, assim como assumirá um novo Congresso. Uma grande frente foi responsável por impor uma derrota importante, histórica, ao governo de extrema direita que desejava impor uma ditadura ao País utilizando, contraditoriamente, os meios da democracia. Pode-se dizer que a frente formada foi similar à que lutou pelas diretas, considerando os partidos reunidos no 2º turno. Mas o que isto tem a ver com habitação?
Em síntese, pode-se responder dizendo que o documento “Plano para a reconstrução e transformação do Brasil”[1], publicado pela Fundação Perseu Abramo em 2020, após um longo processo de discussão do Partido dos Trabalhadores, dedicou um capítulo específico para tratar da habitação. O título do capítulo revela a principal preocupação neste quesito: “Habitação para populações vulneráveis e em situação de rua”. Elaborado durante a pandemia, o capítulo inicia com o alerta sobre a necessidade de ter “medidas urgentes nas áreas urbanas muito adensadas que dificultam o isolamento físico e os cuidados preventivos, ampliando o risco de contaminação de seus moradores” e propõe “a criação de programas de financiamento de material de construção, com assistência técnica gratuita, visando a melhoria habitacional e sanitária nos assentamentos precários”.
Outra questão, de enorme importância naquele momento, foi a proposta de suspender “durante o período da pandemia, as ações de reintegração de posse em assentamentos precários e as ações de despejos por falta de pagamento de aluguel”. Esta ideia, executada durante a pandemia, foi vitoriosa. O movimento “despejo zero” conseguiu a aprovação da Lei nº 14.216/2021 suspendendo os despejos urbanos até 31/12/2021, que depois foi prorrogado até 31/03/2022, no STF, e estendido até junho de 2022.[2] Esse será um artigo específico para outro momento. Agora, o que se observa, é que a prioridade deste novo governo será atender prioritariamente a população de menor renda, que representa mais de 75% do déficit habitacional brasileiro. Para atender esta faixa de renda é necessário subsídio para moradia, desafio que exigirá uma vontade política, por um lado, e organização popular, por outro. Vontade política porque deverá ser previsto um montante de recursos considerável para atender essa demanda, contrariando interesses do “mercado”, que quer ganhar dinheiro por meio dos juros cobrados ao Estado. Organização popular para dar sustentação a essa política e, ainda, criar formas independentes das construtoras, captando recursos e produzindo moradias por meio da autogestão popular. Existem experiências interessantes no Brasil que demonstram a possibilidade da população se organizar em associações de construção comunitária e, utilizando a assessoria técnica gratuita, produzir habitação de qualidade e em quantidade razoável. No município de São Paulo houve uma experiência importante, que ocorreu na década de 1990, na gestão da Prefeita Luiza Erundina, que precisa ser resgatada como exemplo a ser reproduzido. A política habitacional daquele governo contou com a atuação de 108 Associações Comunitárias e 24 entidades de assessoria técnica, beneficiando cerca de 60 mil pessoas.[1]
Existe a vontade política, ao que sabemos. O Presidente Lula mencionou em vários momentos que deverá alocar recursos para retomar o Minha Casa Minha Vida. Entretanto, para que a população de menor renda seja, de fato, beneficiada, é necessário estar organizada e pressionar para que o recurso seja efetivamente destinado a atender essa demanda.
Gilson Bergoc
Doutor e Mestre pela FAU USP. Arquiteto e Urbanista, docente da Universidade Estadual de Londrina na área de urbanismo e planejamento urbano e regional. Integrante do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Urbana. Coordenador de Projeto Integrado – Pesquisa e Extensão da UEL e do núcleo de Londrina do BR Cidades. Ex-Prefeito do Campus da UEL e ex-Diretor de Planejamento Físico Territorial do IPPUL.